sexta-feira, 18 de março de 2011
18/03/2011
sábado, 1 de janeiro de 2011
O PRIMEIRO DIA

Num dos textos mais lidos de Søren Keirkegaard, o romance filosófico,“O Diário de um Sedutor”, o narrador-personagem Johannes demonstra como fez para conquistar a doce jovem Cordélia. Claro que as feministas devem odiar esse livro a ponto de queimá-lo. Eu, particularmente e capciosamente, gosto e muito. Refinado, apaixonante e reflexionante.
Numa das interpretações mais dignas deste romance, feita pela professora e romancista mineira Guiomar de Gramont, “ As figuras estéticas em Kierkegaard” indicia a personagem Johannes do romance kierkegaardiano, como uma figura que lança suas 'vítimas' ao infinito, roubando-lhes o centro de tranquilidade que lhes mantêm em estado de ignorância, possibilitando assim, que as mesmas alcancem a individualidade, tornando-se um indivíduo diante de toda as possibilidades que o mundo oferece.
Mas o que isso tem a ver com o primeiro dia do ano de 2011? Johannes conquista Cordélia e depois a abandona. Desespero. Johannes não será o mesmo, marcado pela presença marcante da doce Cordélia. Ela descobre o amargo da paixão, mais agora viverá em paixão, ou seja, a paixão é o que move, e ela será eternamente apaixonada e lançada para o infinito.
A pergunta ainda persiste. E eu me respondo: quero viver apaixonadamente. Quero que 2011 seja apaixonante, que os momentos sejam belas e difíceis conquistas, que cada hora seja como uma Cordélia, doce, difícil e reticente, e que no último segundo eu tenha em minhas mãos e a solte no instante seguinte, para voltar a conquistar a próxima.
Quero poder manter a dupla face Johannes/Cordélia, desejando conquistar insistentemente e por horas desejar ardentemente ser conquistado. Quero ser a doce e amarga ilusão e deixar-me perder na paixão.
Foi um ano estranho, bonito, intenso, vivo, atraente, erótico, amargo, doce, rebuscado,dolorido, momentâneo, profético, não dito........
Amo todos vocês meus queridos amigos e um sim a paixão!
Um ano sexy para todos!
Jadão
quarta-feira, 21 de julho de 2010
Números e constelações em amor com uma mulher
Busquei a lonjura dos lugares para acertar as contas comigo mesma. Que é que era isso de por dentro uma coisa e por fora: essa cara risonha?
Comigo não seria mais assim não.
Contradição é uma coisa. Estudada e muito e desde sempre. Mas, essa da cara já era mesmo implicância e não pura incoerência nossa de todos os dias.
As lonjuras não possuem espelhos. Não possuem primeiros socorros. Visto que os últimos me cabem muito bem.
As privadas das lonjuras são imundas. Fedem. E é como se fosse um tipo de sofrimento necessário no sentido cristão da palavra sofrimento. O fedor como se fossem lapadas de chicote nas costas de um monge.
Faz frio nas lonjuras. Chove e fica tudo cinza. O vermelho é só do corte. Do pé e da alma.
A cara não sei como anda. Não a vejo há dias. Às vezes a sinto como se estivesse vermelha. E penso: sangra? Não levo a mão ao rosto. Nada de carinhos.
Fui-me embora.
Depois, eu volto.
segunda-feira, 19 de julho de 2010
Quanto custa uma passagem para o lugar mais longe, moça?
Eu quero é ir embora, eu quero dar o fora...
Um dos muitos pontos do filme O céu de Suely que me emociona imensamente é quando Hermila chega num guichê de rodoviária e pergunta algo similar ao título do post.
Sinto uma tamanha identificação com aquele filme. O nordeste de plástico, as paisagens grandes, quase desérticas, os caminhões que passam, a cidade pequena, que mais parece cidade de passagem, cidade de não ficar. As motos que tomam o lugar das carroças. O video game e o calor.
O espaço é o espaço reconhecível por qualquer pessoa que foi criada em cidade do interior que nem é sertão brabo nem é capital. É lugar nenhum. É entre-lugar. É reentrância. É passagem e, tantas vezes, é prisão.
Há uns dez anos, eu e minha mãe, montamos num caminhão, com mudança e tudo e viemos para Aracaju. Não era o lugar mais longe, mas a sensação era quase a da moça do filme.
Era, para mim, uma fuga e era a esperança de um outro lugar.
E, aqui, as coisas foram acontecendo, se amontoando, e eu tantas vezes me perdi de mim. E tanto isso aconteceu que eu vivo pensando nessa possibilidade: "qual o lugar mais longe para se ir?".
Por essas e outras sensações é que tantas vezes compreendi o fato de muitas vezes a gente criar esse lugar longe mesmo sem sair do lugar que se está. É o famoso sótão do qual já falei tantas vezes. A gente não viaja, não sai do chão, mas é como se assim o fosse.
Tem gente que chama a isso de loucura, delírio. Outros usam eufemismos e comentam: "como aquela pessoa é aérea, voadora".
Uma escritora de quem gosto muito, certa vez escreveu sobre uma velhinha que se perde no Maracanã. Num outro texto seu, ela traz uma parte desse texto da velhinha e termina assim: mas, deve haver uma sa-í-daaaaaaa.
Não sei se há.
Eu sou labiríntica. Tanto quanto a velhinha de Clarice no conto. Mas, penso muito como Hermila do filme. E me riu quando ouço "Um lugar do caralho" gritado por Wander Wildner. Outros me dirão: você é utópica.
Não. Eu não sou nada. Nonada.
Mas, tudo o que agora quero é pegar um ônibus e ir para um lugar, perto ou longe. De preferência um lugar de interior. Quero aquele clima.
Vou ganhar estrada. Disso sei que preciso.
Porém, até isso é difícil.
Talvez queira eu agora, ir-me embora para Pasárgada, oh Bandeira querido!
quarta-feira, 14 de julho de 2010
Rabbits
sexta-feira, 2 de julho de 2010
Contando ovelhas – ou insônia danada, se vocês quiserem.
sexta-feira, 4 de junho de 2010
Angústia - Anton Tchecov
Crepúsculo vespertino. Uma neve úmida, em grandes flocos, remoinha preguiçosa junto aos lampiões recém-acesos, cobrindo com uma camada fina e macia os telhados das casas, os dorsos dos cavalos, os ombros das pessoas, os chapéus. O cocheiro Iona Potapov está completamente branco, como um fantasma. Encolhido o mais que pode se encolher um corpo vivo, está sentado na boléia, sem se mover. Tem-se a impressão de que, mesmo que caísse sobre ele um montão de neve, não consideraria necessário sacudi-la... Seu rocim está igualmente branco e imóvel. Graças a sua imobilidade, à angulosidade das formas e à perpendicularidade de estaca de suas patas, parece mesmo, de perto, um cavalinho de pão-de-ló de um copeque. Seguramente, ele está imerso em meditação.
Não pode deixar de meditar quem foi arrancado do arado, da paisagem cinzenta e familiar, e atirado nessa voragem, repleta de luzes monstruosas, de um barulho incessante e de gente correndo...
Faz muito tempo que Iona e seu rocim não se mexem do lugar. Saíram de casa ainda antes do jantar, e, até agora, não apareceu trabalho. Mas, eis que a treva noturna desce sobre a cidade. A palidez das luzes dos lampiões cede lugar a cores vivas e a confusão das ruas torna-se mais barulhenta.
- Cocheiro, para a Víborgskaia! - ouve Iona. - Cocheiro!
Estremece e vê, através das pestanas cobertas de neve, um militar de capote com capuz.
- Para a Viborgskaia! - repete o militar. - Está dormindo? Para a Víborgskaia!
Em sinal de consentimento, Iona puxa as rédeas, e a neve cai em camadas de seus ombros e do dorso do cavalo...
O militar senta-se no trenó. O cocheiro faz ruído com os lábios, estende o pescoço à feição de cisne, ergue-se um pouco e agita o chicote, mais por hábito que por necessidade. O cavalinho estica também o pescoço, entorta as pernas, que parecem estacas, e desloca-se com indecisão...
- Onde vai, demônio?! - ouve, logo depois, Iona exclamações partidas da massa escura de gente, que se desloca em ambos os sentidos. - Para onde te empurram os diabos? Mantenha-se à direita!
- Não sabe dirigir! Olha a direita - zanga-se o militar.
O cocheiro de uma carruagem solta impropérios; um transeunte, que atravessou a rua correndo e chocou-se com o ombro contra a cara do rocim, lança um olhar rancoroso e sacode a neve da manga. Na boléia, Iona parece sentado sobre alfinetes e aponta com os cotovelos para os lados; seus olhos tontos perpassam pelas coisas, como se não compreendesse onde se encontra e o que está fazendo ali.
- Que gente canalha! - graceja o militar. - Eles se esforçam em chocar-se contra você ou cair embaixo do cavalo.
Combinaram isso.
Iona volta-se para o passageiro e move os lábios...
Sem dúvida, quer dizer algo, mas apenas uns sons vagos lhe saem da garganta.
- O quê? - pergunta o militar.
Iona torce a boca num sorriso, faz um esforço com a garganta e cicia:
- Pois é, meu senhor, assim é... perdi um filho esta semana.
- Hum!... De que foi que morreu?
Iona volta todo o corpo na direção do passageiro e diz:
- Quem é que pode saber! Acho que foi de febre... Passou três dias no hospital e morreu... Deus quis.
- Dá a volta, diabo! - ressoa nas trevas uma voz. - Não está mais enxergando, cachorro velho? É com os olhos que tem que olhar!
- Anda, anda... - diz o passageiro. - Assim, não chegamos nem amanhã. Mais depressa!
O cocheiro estica novamente o pescoço, ergue-se um pouco e agita o chicote, com uma graciosidade pesada. Depois, torna a olhar algumas vezes para o passageiro, mas este fechou os olhos e parece pouco disposto a ouvir. Depois de deixá-lo na Víborgskaia, pára diante de uma taverna, encurva-se sobre a boléia e fica novamente imóvel... A neve molhada torna a pintá-lo de branco, juntamente com o rocim. Decorre uma hora... outra...
Três jovens passam pela calçada, fazendo muito barulho com as galochas e trocando impropérios: dois deles são altos e magros, o terceiro é pequeno e corcunda.
- Cocheiro, para a Ponte Politzéiski! - grita o corcunda, com voz surda. - Damos vinte copeques... os três!
Iona sacode as rédeas e faz ruído com os lábios. Vinte copeques são um preço inadequado, mas, agora, pouco lhe importa o preço... Tanto faz seja um rublo ou cinco copeques, contanto que haja passageiros... Empurrando-se e soltando palavrões, os jovens acercam-se do trenó e sobem para os assentos, os três ao mesmo tempo. Começam a discutir a questão: dois deles irão sentados, e quem vai ficar de pé?
Depois de uma longa troca de insultos, manhas e recriminações, chegam à conclusão de que o corcunda é quem deve ficar de pé, por ser o menor.
- Bem, faz o cavalo andar! - grita com voz trêmula o corcunda, ajeitando-se de pé e soprando no pescoço de Iona. - Dá nele! Que chapéu você tem, irmão! Não se encontra um pior em toda Petersburgo...
- Hi-i... hi-i... - ri Iona. - Assim é...
- Ora, você assim é, bate no cavalo! Vai andar desse jeito o tempo todo? Sim? E se eu te torcer o pescoço?
- Estou com a cabeça estalando... - diz um dos moços compridos. - Ontem, em casa dos Dukmassov, eu e Vaska(2) tornamos quatro garrafas de conhaque.
Não compreendo para que mentir! - irrita-se o outro moço comprido. - Mente como um animal.
- Que Deus me castigue, é verdade...
- Tão verdade como um piolho tossindo.
- Hi-i! - ri Iona entre dentes. - Que senhores alegres!
- Irra, com todos os diabos!... - indigna-se o corcunda. - Você vai andar ou não, velha peste? É assim que se anda? Estala o chicote no cavalo! Eh, diabo! Eh! Dá nele!
Iona sente, atrás de si, o corpo agitado e a voz trêmula do corcunda. Ouve os insultos que lhe são dirigidos, vê gente, e o sentimento de solidão começa, pouco a pouco, a deixar-lhe o peito. O corcunda continua os impropérios e, por fim, engasga com um insulto rebuscado, descomunal, e desanda a tossir. Os moços compridos começam a falar de uma certa Nadiejda Pietrovna. Iona volta a cabeça para olhá-los. Aproveitando uma pausa curta, olha mais uma vez e balbucia:
- Esta semana... assim, perdi meu filho!
- Todos vamos morrer. - suspira o corcunda, enxugando os lábios, após o acesso de tosse. - Bem, bate nele, bate nele! Minha gente, decididamente, não posso continuar andando assim! Esta corrida não acaba mais?
- Você deve animá-lo um pouco... umas pancadas no pescoço!
- Está ouvindo, velha peste? Vou te moer o pescoço de pancada! Não se pode fazer cerimônia com gente como você, senão é melhor andar a pé! Está ouvindo, Zmiéi Gorínitch(3)? Ou você não se importa com o que a gente diz?
E Iona ouve, mais que sente, os sons de uma pancada no pescoço.
- Hi-i... - ri ele. - Senhores alegres... que Deus lhes dê saúde!
- Cocheiro, você é casado? - pergunta um dos compridos.
Eu? Hi-i... que senhores alegres! Agora, só tenho uma mulher, a terra fria... Hi-ho-ho... O túmulo, quer dizer!... Meu filho morreu, e eu continuo vivo... Coisa esquisita, a morte errou de porta... Em vez de vir me buscar, foi procurar o filho...
E Iona volta-se, para contar como lhe morreu o filho, mas, nesse momento, o corcunda solta um suspiro de alívio e declara que, graças a Deus, chegaram ao destino. Tendo recebido vinte copeques, Iona fica por muito tempo olhando os pândegos, que vão desaparecendo no escuro saguão. Está novamente só e, de novo, o silêncio desce sobre ele... A angústia que amainara por algum tempo torna a aparecer, inflando-lhe o peito com redobrada força. Os olhos de Iona correm, inquietos e sofredores, pela multidão que se agita de ambos os lados da rua: não haverá, entre esses milhares de pessoas, uma ao menos que possa ouvi-lo? Mas a multidão corre, sem reparar nele, nem na sua angústia... Uma angústia imensa, que não conhece fronteiras. Dá a impressão de que, se o peito de Iona estourasse e dele fluísse para fora aquela angústia, daria para inundar o mundo e, no entanto, não se pode vê-la. Conseguiu caber numa casca tão insignificante, que não se pode percebê-la mesmo de dia, com muita luz...
Iona vê o zelador de uma casa, carregando um embrulho, e resolve travar conversa.
- Que horas são, meu caro? - pergunta.
- Mais de nove... Por que você parou aqui? Passa!
Iona afasta-se alguns passos, torce o corpo e entrega-se à angústia... Considera já inútìl dirigir-se às pessoas. Mas, decorridos menos de cinco minutos, endireita-se, sacode a cabeça, como se houvesse sentido uma dor aguda e puxa as rédeas... Não pode mais.
"Para casa", pensa, "para casa".
E o cavalinho, como se tivesse compreendido seu pensamento, começa a trotar ligeiramente. Uma hora e meia depois, Iona está sentado junto ao fogão grande e sujo. Há gente roncando em cima do fogão, no chão e sobre os bancos. O ar é abafado, sufocante... Iona olha para os que dormem, coça a cabeça e lamenta haver voltado tão cedo para casa...
"Não ganhei nem para a aveia", pensa. "Daí essa angústia. Uma pessoa que conhece o ofício... que está bem alimentada e tem o cavalo bem nutrido também, está sempre calma..."
Num dos cantos, levanta-se um jovem cocheiro, funga, sonolento, e arrasta-se para o balde d'água.
- Ficou com sede? - pergunta Iona.
- Com sede, sim!
- Bem... Que lhe faça proveito... Pois é, irmão, e eu perdi um filho... Está ouvindo? Foi esta semana, no hospital... Que coisa!
Iona procura ver o efeito que causaram suas palavras, mas não vê nada. O jovem se cobriu até a cabeça e já está dormindo. O velho suspira e se coça... Assim como o jovem quis beber, assim ele quer falar. Vai fazer uma semana que lhe morreu o filho e ele ainda não conversou direito com alguém sobre aquilo... É preciso falar com método, lentamente...
É preciso contar como o filho adoeceu, como padeceu, o que disse antes de morrer e como morreu... É preciso descrever o enterro e a ida ao hospital, para buscar a roupa do defunto. Na aldeia, ficou a filha Aníssia... É preciso falar sobre ela também... De quantas coisas mais poderia falar agora? O ouvinte deve soltar exclamações, suspirar, lamentar... E é ainda melhor falar com mulheres. São umas bobas, mas desandam a chorar depois de duas palavras.
"É bom ir ver o cavalo", pensa Iona. "Sempre há tempo para dormir..."
Veste-se e vai para a cocheira, onde está seu cavalo. Iona pensa sobre a aveia, o feno, o tempo... Estando sozinho, não pode pensar no filho... Pode-se falar sobre ele com alguém, mas pensar nele sozinho, desenhar mentalmente sua imagem, dá um medo insuportável...
Está mastigando? - pergunta Iona ao cavalo, vendo seus olhos brilhantes. - Ora, mastiga, mastiga... Se não ganhamos para a aveia, vamos comer feno... Sim... Já estou velho para trabalhar de cocheiro... O filho é que devia trabalhar, não eu... Era um cocheiro de verdade... Só faltou viver mais...
Iona permanece algum tempo em silêncio e prossegue:
- Assim é, irmão, minha egüinha... Não existe mais Kuzmá Iônitch... Foi-se para o outro mundo... Morreu assim, por nada... Agora, vamos dizer, você tem um potrinho, que é teu filho... E, de repente, vamos dizer, esse mesmo potrinho vai para o outro mundo... Dá pena, não é verdade?
O cavalinho vai mastigando, escuta e sopra na mão de seu amo... Iona anima-se e conta-lhe tudo...