Viajar é sempre uma experiência que foge ao ordinário, mesmo que se faça sempre.
Não por acaso o alhar de um estrangeiro se perde no abismo de possibilidades ou de reflexões que põe o indivíduo diante dele mesmo, de uma (meta) realidade que lhe escapa na hodierna relação com seu espaço, com suas memórias e referências, parece que diante deste novo espaço que se abre em terra estrangeira, o infinito se abre se opondo a finitude de tais relações.
Ser um corpo estranho em meio a um emaranhado de concreto, de corpos e ambientes, é por sua perspectiva em sucessões de eventos que te joga a um horizonte expansivo, ao mesmo tempo que, paradoxalmente, sentimos uma saudade incomensurável de nossa origem, de nossa fixidez, de nossa terra, de minha terra. Talvez, essa reflexão caiba apenas as minhas próprias reflexões, e se a tentativa de partilha-lha não alcance um caráter universal só reforça ainda mais que o indivíduo é uma construção de e para si.
Alguns eventos nesta última viagem mereceram um tempo específico para uma melhor digestão. Posso destacar a eleição presidencial no âmbito privado, vejamos:
Domingo dia 31 de outubro as 19 horas, Belo Horizonte, estado de Minas Gerais, segundo turno das eleições presidências, uma considerável porcentagem das urnas apuradas e Dilma Rousseff caminhava para ser a primeira mulher eleita presidente no país, a noite anunciava a vitória do partido dos trabalhadores, outrora representante de uma causa utópica-socialista, agora um partido claramente progressista de tendências neoliberais, ainda que negue tais posturas.
O que foi para mim INcrível, quase que metafísico, foi presenciar o entusiasmo de alguns jovens que se reunirão para comer pizza com coca-cola e acompanhar a apuração, a utopia socialista que foi por água abaixo a quase 10 anos atrás, parecia não representar nada para aqueles jovens esquerdistas, que enfervecendo-se da vitória petista gritavam felizes “ É DILMAAAA!!!!”, e ainda torciam para a vitória de todos os candidatos a governadores que eram do PT ou apoiado por este, independente do contexto local. Caminhavam após a degustação alimentícia, para um bairro nobre da cidade, bairro que segundo eles a política do PSDB se coadunava com as posturas de seus moradores, para agitarem a bandeira petista e mostrar que eles perderam.
A pergunta que fica é: o mito LULA vai além das massas e enturva também o olhar dos ditos esclarecidos ou é falta total de uma criticidade?
Já encontrei os livros que queria. Inclusive e especialmente o da Ecléa Bosi. Todos os exemplares estão intactos.
O modem já voltou da "manutenção" e, portanto, já tem Internet na Bicen.
Mais, calma, percorri, com os números das chamadas devidamente anotados, e muita atenção, as prateleiras.
Dará para sobreviver, sim. Havia o susto, o impacto das trocas de lugares, do alvoroço de pessoas a procurar livros, etc. Mas, não foi tanto exagero meu observar as coisas observadas do post anterior.
E, seria legal deixar claro que assim que deparei com as portas fechadas da bicen, procurei conversar com um bibliotecário, uma pessoa super gentil e acessível, que me recebeu muito bem e me explicou algumas coisas sobre o funcionamento, na verdade, sobre as dificuldades de funcionamento da Bicen na UFS, e sobre o ocorrido, etc. Não vou citar nomes publicamente, mas é só para marcar que procurei informações e fui fazer a minha reclamação "meio oficial". Isso é para me proteger de pensamentos apressados sobre a minha fala de que "só aqui para uma biblioteca fechar durante um mês, reeabrir, sem explicação alguma...".
Mas, já estou fichando o livro.
Já está tudo se encaminhando...
Mas, o silenciamento de todos juntos, continua a me incomodar... Ao menos numa questão como a da Bicen.
Acabei de percorrer toda a Bicen. Reabriram-na hoje, depois de um mês ou mais de portas fechadas, sem grandes e claras explicações. Soubemos, à boca miúda, que a causa de fechamento, assim que retornamos às aulas, fora uma chuva e a consequente perda de alguns exemplares...
Depois de uma longa espera, desabrigados em relação ao espaço que é uma biblioteca para uma Universidade e, especial e drasticamente, sem acesso aos livros, a Bicen reabre.
Tamanho foi o meu susto, ao percorrer as prateleiras de livros. Não percebi reforma alguma, muito pelo contrário, ainda vi muitos baldes para aparar água de prováveis chuvas ou de ar-condicionados. Percebi ainda as feias lonas pretas cobrindo algumas prateleiras.
Mas, entre tantas coisas ruins, busquei desesperadamente o livro da Ecléa Bosi e não o encontrei.
O pior quanto à desarrumação: as referências (chamadas dos livros) estão misturadas. Não respeitaram uma memória espacial e a consequência foi ver alunos, aos montes, desorganizadamente, procurando livros que estavam distribuidos de maneira aleatória no que diz respeito aos números de chamadas e à posição: livros deitados, livros em pé. E isso não é frescura ou uma questão estética: tem a ver com a conservação dos livros. Pois os manuseamos com muita frequência na Bicen...
Enfim, liguei, desesperada e revoltada, para Jadson. Gritava ao telefone, não para ele, mas, para as pessoas que estavam perto. Fiquei mais calma e vim escrever.
Continuo achando que só aqui mesmo para aguentarmos um mês de biblioteca fechada, sem explicações e uma reabertura dessa maneira.
Soube, da mesma forma que se sabe das coisas aqui: à boca miúda, que houve uma perda de 20% dos exemplares.
Percebi um défict, mas, não posso afirmar que seja esse o montante. Mas, de qualquer forma, deveríamos ser avisados do que realmente aconteceu.
Bem, no mais, de maneira irada e desorganizada, fica minha raiva mais amena ao falar sobre. Querendo ser otimista...
Identidade, autoridade e liberdade - o potentado e o viajante é o nome de um dos textos do Edward Said que está no livro Reflexões sobre o exílio e outros ensaios.
Said refletia sobre o que falar numa determinada palestra quando encontrou-se com um colega ao qual pediu sugestões. O colega, então, perguntou-lhe o nome da palestra e ele respondeu que era Identidade, autoridade e liberdade. E o amigo disse-lhe: "Interessante. Você quer dizer que identidade é o corpo docente, autoridade são os administradores e liberdade…"Liberdade", disse ele, "é a aposentadoria".
Comentário não só chistoso, mas cínico, mas que apesar da irreverência, reflete sobre a questão da liberdade acadêmica.
Todo o texto vai versar, partindo de um ponto de vista bastante afetado pela situação da Palestina, com a qual Said se identifica por origem e por escolha e, dessa maneira, defende, sobre a Universidade, sobre a liberdade acadêmica.
Gostei muito de muitas passagens do texto. Posso dizer, de maneira menos hermética, que gostei do texto.
Especialmente me fez lembrar sobre os papéis que desempenhamos como estudantes mesmo, e me fez lembrar até do último post que li de Wesley sobre o Dumbo, sobre sua participação e insistência e esperança de servir para alguma coisa essa sua perseverança em exibir filmes na Universidade, mesmo ouvindo vez por outra, ou mesmo quase sempre, coisas absurdas que vão de filmes, gosto à concepções do que vem a ser infantil, leia-se, de como se concebe o que é uma criança.
A uma altura do texto, Said escreve que "Dizer que alguém estuda ou leciona é dizer que tem a ver com a mente, com valores intelectuais e morais, com um determinado processo de investigação, discussão e troca, atividades habitualmente não muito praticadas fora da academia".
Eu acho que esse trecho, mesmo assim deslocado, desapertado do inteiro do texto do Said, responde um pouco do que acho que deveria ser a academia.
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Lendo-o pela terceira vez (e não vou ficar colocando passagens do texto aqui para não ficar algo muito acadêmico ou mesmo enfadonho), fiz muitas viagens pensando em outros textos. Lembrei-me de Clifford Gertz em Interpretações da Cultura, no texto Rinha de galos em Bali. Eu o havia lido e, recentemente, alguém o comentou ligeiramente e me fez rememorá-lo. Gertz diz em seu texto da dificuldade de colher depoimentos das pessoas envolvidas na rinha e que só os conseguiu quando a polícia chegou na área, todos correram e ele, por medo ou por intuição, correu junto. Daí, na próxima investida, o estudioso ouviu: "Vamos falar, pois você é um dos nossos".
Essa passagem do Gertz rememorada um santinho antes de meu contato com esse texto do Said me fez pensar em como o ambiente acadêmico é representado no imaginário de pessoas que não o freqüentam e até mesmo de nós que o freqüentamos.
Mais adiante, vejo escrito no texto de Said, esse fragmento: "Nenhum de nós pode negar o sentimento de privilégio levado para dentro do santuário acadêmico". Antes de falar sobre a questão do privilégio, me fez dar outra viajada a expressão santuário acadêmico. Viajei para o texto de Virginia Woolf: Um teto todo seu.
Lembrei-me da descrição irônica, irresistível do começo de seu texto. Virginia conta-nos de sua primeira inspiração (na verdade de como a sua primeira idéia fora cortada) para escrever a palestra que irá proferir sobre "A mulher e a ficção". Ela está tentando explicar como deveria construir um argumento para desenvolver a idéia de que a mulher, para escrever ficção, precisa ter dinheiro e um teto todo dela.
Virginia é acometida pelo "puxão"da idéia nascendo, à beira do rio (por esse motivo ela vai usar a metáfora do peixe pequeno para a idéia nascendo ainda). Assim que sente a inspiração para o desenrolar das idéias nascer, ela se levanta e se põe a caminhar. Logo, vê-se na grama, andando para um lado e para o outro. E, sente o primeiro embargo: Um bedel a interrompe. Ali só pode estar Estudantes. O lugar dela é no cascalho.
Ok. Ela acha que andar na grama é mais confortável que andar no cascalho, mas continua a andar, no cascalho e põe-se a pensar mais e mais porque perdera o fio da meada, ou como a mesma diz, perdera o seu peixinho (pois Virginia usa a metáfora do peixe pequeno para a primeira idéia nascente).
Lembra-se de referências bibliográfica e, lembra-se, de que pode consultá-las na biblioteca da Universidade de Oxbridge. Santuário que guarda tesouros como os que agora aparecem em seu pensamento.
Sobre as escadas, envolta em pensamentos mil que vai nos citando… Até que, pela segunda vez, é barrada. Agora, ouve que as damas só eram admitidas na biblioteca da faculdade acompanhadas por um Fellow (estudantes que tinham privilégios, que já haviam terminado os cursos, mas tinham ligação com a instituição, tipo pós-graduados) da faculdade ou providas de uma carta de apresentação.
Virginia se afasta, dessa vez possessa. Pensa em o que fará para o resto do dia. E a uma certa altura, encosta-se a um muro, de onde enxerga a universidade e nos diz: "Quando me encostei no muro, a universidade pareceu-me de fato um santuário onde se preservavam tipos raros, que logo se tornariam obsoletos se deixados a lutar pela existência nas calçadas do Strand".
Porque fiz tantas viagens para pensar e falar num só texto como o do Edward Said? Talvez não seja porque sou louca não. O subtítulo do próprio texto é o potentado e o viajante. Por todo o texto, então, perpassa a idéia de que não podemos justificar nosso anseio por justiça se defendemos apenas o conhecimento nosso e de nós mesmos. Portanto, nos diz Said que "o modelo de liberdade acadêmica deve ser o migrante ou o viajante, pois se no mundo real, fora do universo acadêmico, precisamos ser nós mesmos e apenas isso, dentro da academia precisamos ser capazes de descobrir e viajar entre outros eus, outras identidades, outras variedades da aventura humana. Mas - o que é mais essencial -, nessa descoberta conjunta do eu e do Outro, o papel da academia é transformar o que poderia ser conflito, disputa ou asseveração em reconciliação, reciprocidade, reconhecimento e interação criativa".
Claro que não estamos mais no tempo em que mulheres e negros não entravam nas universidades. Mas, não é demais reavivar um texto assim como o de Woolf. Não é demais reavivar lembranças traumáticas como a Shoah, o Apartheid, o que foram as ditaduras militares na América Latina, enfim, nunca é demais lembrar erros cometidos no passado. Até mesmo para não repetirmos esses mesmos erros no presente ou no futuro.
E o Outro de hoje, pode não ser a mulher, mas existem muitos Outros ainda. E a academia é um lugar para adotarmos espaço para pensar sobre a questão. Com liberdade. Adotando o ponto de vista de um viajante. Que muda a rota, que mesmo com mapa, se perde, conhece, observa, interage, pergunta, aprende na carne.
São questões a se pensar. Sobre o Outro. Sobre o cânone. Sobre o que se estuda e como se estuda. O que se aborda. E daí é tão importante nos perguntarmos: E criança não pensa?
Diziam isso dos índios os portugueses quando aqui chegaram. Diziam, esses mesmos portugueses, dos negros que não tinham alma.
Dizem das mulheres que pensam menos que os homens.
É bom viajar. Nos textos. Nas idéias. E construir junto com os outros passageiros da viagem que é optar por estar nesse ambiente que é a academia.
Antes de qualquer coisa: postaria aqui uma foto que gosto muito: Hannah Arendt jovem, encostada em uma parede, fumando.
E a foto tem um motivo: abri o programa de uma disciplina que vou cursar agora chamada Pesquisa em Linguagem e o programa trabalhará um livro da Arendt. A condição humana. Um livro que já esteve em minhas mãos na época em que eu elaborava o projeto com o qual consegui entrar no mestrado. E que voltará agora em discussões.
Feliz por isso.
E o título da postagem se dá porque me lembrei que outro dia, pegando uma carona com umas pessoas que não conheço muito, alguém falava sobre umas cidades de interior e uma moça faloiu: "Lá é ruimd emais, não há nada o que fazer, deve ser bom para homem porque tem muitos bares, mas para mulher não!".
Como assim?
Então os bares são lugares só para homens?
Qual o lugar das mulheres, então?
A cozinha ainda? Os shoppings? Um clube para o chá das cinco?
Pasmei em saber que ainda há disso na cabeça de algumas mulhers: de que há classificações: o que pode um homem e o que pode uma mulher.
Qualquer lugar deveria ser para qualquer um.
Gente é gente... (como diria Caetano: e nasceu para brilhar e não para morrer de fome). (risos por conta do comentário-piada nada a ver).
Quem gosta de beber e de beber em bar: vai para o bar: seja homem, mulher, azul, anão, roto, feliz, descendente de japonês, etc.....
Que venha Hannah e que a moça aprenda que lugar de mulher é onde ela queira. Assim como o homem.
“Os jovens de hoje não podem continuar sendo educados como se não tivessem que assumir a criação dos próprios filhos e, portanto, a continuidade da comunidade nacional. A preocupação com os índios e com o meio ambiente, fomentada pelas escolas freqüentadas pela classe média, inserem uma inversão da hierarquia de valores. De nada adianta cultivar uma atitude conservacionista diante da natureza, deixando combalidos os pilares da sociedade: a família e a empresa” .
O texto pode ser encontrado na página 38 de “A Agenda Teórica dos Liberais Brasileiros”, publicado por Antonio Paim em 1997, através da Massao Ohno Editora; a fotografia pertence ao filme “O Desejo Liberado” (2006, de Mathias Glasner), um filme alemão de quase 3 horas de duração, em que um estuprador sai da cadeia – após 9 anos de reclusão preconceituosa – e não sabe o que fazer com todo o desejo sexual proibido que sente: ele estuprará de novo e, ao invés de condená-lo, a direção e o roteiro desta quase obra-prima melancólica põem-se ao lado dele, como se fosse um de nós em tela. Fiquei horrorizado ao ler o texto. Fiquei triste e excitado ao rever a imagem. Viver tem dessas coisas. A Adriana Calcanhotto bem sabe disso...
Eu adoro a Mafalda! Acho o máximo ela ter uma tartaruguinha chamada Burocracia. E todos os que povoam as tiras da história são tão palpáveis! Quem nunca esteve perto de uma Susanita ou de um Miguelito? Difícil mesmo é encontrar uma pessoinha como a pequenina Liberdade...
Algumas tirinhas soltas, sem conexão. Só para eu me sentir pequenininha de novo.
Calma, calma! Não vou tocar no assunto já muito “esquentado” por aqui (risos). O questionamento sarcástico acima adveio de um longa-metragem depressivo de animação australiano-israelense chamado $ 9.99 (2008, de Tatia Rosenthal) que vi na manhã de hoje, e diz respeito ao que um mendigo transformado em anjo pergunta a uma operadora de ‘telemarketing’ quando esta passa a ser inconveniente numa pré-entrevista telefônica sobre consumo de auto-ajuda bancária e coisas do gênero. Porém, ao invés de falar sobre o filme, já devidamente recomendado em meu Fotolog, venho aqui agradecer a oportunidade/convite de poder respirar minhas angústias e dilemas nesta comunidade virtual (e real) tão querida, trazendo como ponto de partida um diálogo confesso por um colega de trabalho. Ele estava no MSN com um amigo em comum homossexual. Reclama ele: “cara, minha Internet está um cu!”. Ouve como resposta: “ah, então sua Internet está ótima, pois cu é bom”! Eu ri ao saber disso...
Ao que me veio o auto-questionamento: nunca fiz sexo anal, mas... Cu é bom? Cu permite que evacuemos, que ponhamos para fora as substâncias gasosas e colidais que não nos servem dentre os alimentos (vegetarianos ou não) que ingerimos, e , se brincar, causa até gozo para quem se disponibiliza a aproveitar cada orifício deste corpo encantador que Deus nos deu para sentir prazer e alegrar a vida de outrem. Oh!
Sei que meu cu não é bonito (o de quem é?) e que esta fotografia (sim, sou eu!) já causou muita polêmica ao ser publicada noutro ‘site’, mas... Precisava começar por algum lugar e, se não posso incluir ainda as fotos de masturbação prometidas, começo com o cu mesmo, que ele sempre tem muito a dizer, conforme anunciava, desacreditados, um ascendente Jim Carrey e o polemista filosófico Guy de Hocquenghem. Faço meus os dilemas deles agora: “o buraco de nosso cu não é privado. É público e revolucionário”. Estou no time agora – e sou ovo-espermo-lacto-vegetariano!