segunda-feira, 16 de novembro de 2009

fragmentos de Anaïs Nin


Imaginei por um momento um mundo sem Henry. E jurei que no dia que perder Henry, eu matarei minha vulnerabilidade, minha capacidade para o verdadeiro amor, meus sentimentos, com a devassidão mais frenética. Depois de Henry não quero mais amor. {…} Depois de não ver Henry por cinco dias por causa de mil obrigações, não pude suportar. Pedi a ele para se encontrar comigo durante uma hora entre dois compromissos. Conversamos por um momento, então fomos para um quarto do hotel mais próximo. Que necessidade profunda dele. Só quando estou em seus braços as coisas parecem direitas. Depois de uma hora com ele, pude continuar o meu dia, fazendo coisas que não quero fazer, vendo pessoas que não me interessam.
Anais Nïn

sábado, 14 de novembro de 2009

Poema em linha reta

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.


E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.


Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...


Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,


Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?


Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?


Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
(Ferando Pessoa - Álvaro de Campos)

O poema de minha vida.

Interrogação

Pintava a boca de vermelho carmim. Vestia mini-saia preta, colada. Calçava botas pretas de canos altos. Nos olhos, negros traços realçavam o esmeralda dos olhos que carregava sem muitas interrogações.

Soltava os cabelos, jogava sobre si um sobretudo e saía.

Maravilhosamente.

Caminhava pelas ruas, nas esquinas. Na lua cheia, olhava sempre o céu com suas estrelinhas. E ouvia as buzinas.

Nos quartos, nas horas de trabalho: performance e nada de prazer.

Voltava todas as noties por caminhos diferentes. Uma antiga mania sua.

Já não havia baton. Lavara o rosto em um banheiro público. Só as roupas e as botas.

Às vezes parava em uma lanchonete. Comia sanduíches e bebia sucos.

Dormia saciada e cansada.

Naquela madrugada, ao sair da lanchonete, dobrara a esquina, era lua cheia, olhava as estrelinhas no céu, sorria e, distraidamente, topara-se com um homem. Bêbado.

Olharam-se longamente em silêncio.

Depois seguiram.

Ela fechou a porta atrás de si. Andou pela casa. Olhou-se no espelho e notou uma interrogação no olhar...

(Nina Sampaio)

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Omnipresença na academia

A onipresença ou omnipresença é a capacidade de estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Em teologia, a onipresença é um atributo divino, segundo o qual Deus está presente em todos os pontos da criação.
Porém, atualmente, com a paranóia da "produção", da confecção rápida de um extenso curriculum lattes tenho percebido que o termo sofreu um deslocamento e tem feito com que muitos acadêmicos sintam-se como "deuses" no sentido de se fazerem presentes até mesmo em dois lugares diferentes ao mesmo tempo.
Explico: Os eventos eram dois: II ENPOLE - Encontro Nacional de Pós-graduação em Letras e III Fórum de Identidades e Alteridades, os dois aconteciam pela Universidade Federal de Sergipe na mesma data: o primeiro no campus de São Cristóvão e o segundo, no de Itabaiana. Uma garota, nervosíssima por conta de um atraso significativo para o início das apresentações do GT, falou desembestadamente e pediu, entre afobação desconfortável e falta de ética visível, para ausentar-se da discussão acerca de seu trabalho e dos demais colegas porque precisava apresentar o mesmo trabalho no outro evento.
Pergunto-me até que ponto toda essa correria por acumular certificados será sustentada e sempre tão pouco debatida entre professores-pesquisadores e seus alunos.
Como alguém que apresenta resultados de sua pesquisa, que leva tempo para ficar pronta, ou mesmo ainda que a pesquisa esteja em processo, até que ponto para essa pessoa a discussão sobre esses resultados é assim indispensável em prol de um outro certificado?
É preciso tomar um posicionamento. Escolher mesmo: você acha importante pesqusiar, estudar o tema eleito por quê? Com qual intuito? Se for o de simplesmente acumular certificados de apresentação de trabalho, sejam bem-recebidos no mundo da falta de ética e de compromisso!
Considero os GT's espaços bons para apresentar e debater resultados de trabalhos que são pensados durante um determinado tempo.
Mas, ao que me parece, os Grupos de Trabalhos têm servido mesmo e à miúde é para acumular certificados e só.
Pensemos nisso.
Com a observação de que não sou inocente a ponto de não saber que essa pressão por produção acomete aos professores e aos alunos por conta de fatores muito mais políticos e arraigados que a simples escolha deliberada por produzir mais, com essa observação acho que deve-se haver um debate sobre o assunto e sobre mais outros tantos que cercam a vida acadêmica e seu entorno - a sociedade.

Maracujá com açúcar

Preciso escrever para acalmar.
Disse Clarice Lispector que "escrever salva".
Escrever é o meu "maracujá com açúcar".
E entro aqui desconfiada de tudo, do chão que piso. É de soslaio que escrevo essa primeira postagem.
E de soslaio todas as outras, eu sei.