Andei pensando em esconder o que escrevo,
Trancar em gaveta, guardar em porão.
Vi que possível não é.
O que escrevo é extensão de mim,
Não catarse.
Sei é que me alargo.
Escrevo sempre o pequeno:
A palavra comum.
Mas é com o EU MAIOR.
Maior, Maior.
Maior do que eu.
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terça-feira, 25 de janeiro de 2011
quarta-feira, 22 de dezembro de 2010
Solidão
Aproximo-me da noite
o silêncio abre os seus panos escuros
e as coisas escorrem
por óleo frio e espesso
Esta deveria ser a hora
em que me recolheria
como um poente
no bater do teu peito
mas a solidão
entra pelos meus vidros
e nas suas enlutadas mãos
solto o meu delírio
É então que surges
com teus passos de menina
os teus sonhos arrumados
como duas tranças nas tuas costas
guiando-me por corredores infinitos
e regressando aos espelhos
onde a vida te encarou
Mas os ruídos da noite
trazem a sua esponja silenciosa
e sem luz e sem tinta
o meu sonho resigna
Longe
os homens afundam-se
com o caju que fermenta
e a onda da madrugada
demora-se de encontro
às rochas do tempo
Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"
...e a onda da madrugada demora-se de encontro às rochas.
Precisa mais alguma palavra?
o silêncio abre os seus panos escuros
e as coisas escorrem
por óleo frio e espesso
Esta deveria ser a hora
em que me recolheria
como um poente
no bater do teu peito
mas a solidão
entra pelos meus vidros
e nas suas enlutadas mãos
solto o meu delírio
É então que surges
com teus passos de menina
os teus sonhos arrumados
como duas tranças nas tuas costas
guiando-me por corredores infinitos
e regressando aos espelhos
onde a vida te encarou
Mas os ruídos da noite
trazem a sua esponja silenciosa
e sem luz e sem tinta
o meu sonho resigna
Longe
os homens afundam-se
com o caju que fermenta
e a onda da madrugada
demora-se de encontro
às rochas do tempo
Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"
...e a onda da madrugada demora-se de encontro às rochas.
Precisa mais alguma palavra?
segunda-feira, 20 de dezembro de 2010
O pastor amoroso, Alberto Caeiro
Agora que sinto amor
Tenho interesse nos perfumes.
Nunca antes me interessou que uma flor tivesse cheiro.
Agora sinto o perfume das flores como se visse uma coisa nova.
Sei bem que elas cheiravam, como sei que existia.
São coisas que se sabem por fora.
Mas agora sei com a respiração da parte de trás da cabeça.
Hoje as flores sabem-me bem num paladar que se cheira.
Hoje às vezes acordo e cheiro antes de ver.
Tenho interesse nos perfumes.
Nunca antes me interessou que uma flor tivesse cheiro.
Agora sinto o perfume das flores como se visse uma coisa nova.
Sei bem que elas cheiravam, como sei que existia.
São coisas que se sabem por fora.
Mas agora sei com a respiração da parte de trás da cabeça.
Hoje as flores sabem-me bem num paladar que se cheira.
Hoje às vezes acordo e cheiro antes de ver.
AS BACANTES
É bom que seja assim, Dionisio, que não venhas.
Voz e vento apenas
Das coisas do lá fora
E sozinha supor
Que se estivesses dentro
Essa voz importante e esse vento
Das ramagens de fora
Eu jamais ouviria. Atento
Meu ouvido escutaria
O sumo do teu canto. Que não venhas, Dionísio.
Porque é melhor sonhar tua rudeza
E sorver reconquista a cada noite
Pensando: amanhã sim, virá.
E o tempo de amanhã será riqueza:
A cada noite, eu Ariana, preparando
Aroma e corpo. E o verso a cada noite
Se fazendo de tua sábia ausência.
(Hilda Hilst)
Desejo. Ausências. Corpos. Aromas. O vinho. O dionisíaco. Porque Hilda fica assim: pulsando em minha cabeça. Meu corpo-sensação se pergunta a todo momento: aconteceu ou sou uma ficcionista? Antes, sonhava que a música me excitava a ponto de me masturbar com o som. Eu era amante, assim, da música. Uma amante clássica. E é por isso que Ariana, assim aroma, assim corpo, assim bacante, assim tambor, me faz pensar: aconteceu ou sou uma ficcionista?
O meu corpo, eu o sentia corpo de Dionísio. Era a tatuagem dele o ponto de referência do meu olhar. Eu não queria significados. Mas, perguntei, como um tempo a mais para tocá-la e para tocá-lo. Para sentir o relevo da pele em desenho. Proximidade. Nunca pensei no siginifcado de tal palavra. Eu que me denomino sacerdotisa de Baco e, portanto, consagrada aos mistérios desse deus. Os mistérios. Os mistérios e seus significados guardados, velados. Eu, naquele momento de toque, queria era apenas tocar e nada mais. Tocar para sentir. Lamber para saber o gosto. O vinho respirava vivo por entre as veias. Dionísio em mim, Ariana, a preparar o corpo desde quando? Eu não o preparara, ao menos, não que eu assim soubesse. Mas, Pessoa falava, através de Caeiro, que "basta existir para ser completo". O gosto-lembrança não era de completude. Era de loucura inacabada. Bêbedo. Quando um personagem de Nelson Rodrigues falou assim "bêbedo" numa película de Jabor, eu ouvi platéias sorrirem. Mas, eu, Ariana, sabia. Aquela palavra não era para os risos. Era para o gozo. E o gozo, o gozo viria sem vinho, sem bebedeiras. Bêbedo uma vez, era necessário a rudeza da sanidade. Para o gozo, completo da existência pessoana: estar são. Antes, tudo vira sonho ou um não-saber-e-só-sentir-que-se-sabe-que-alguma-coisa-aconteceu. Nem toda existência, assim, Ariana, é completa, é isso o que dizes? Sim, responderia, eu, Ariana. Há aquelas exitências que são insanas. E para tanto, para não mais arder e arder: sábias são todas as ausências, Dionísio.
E, por isso, eu preparo aroma e corpo e festa e, ardendo, sozinha suponho coisas e pensamentos e repito para mim: é bom que seja assim, que não venhas, Dionísio.
P.S.: texto inspirado no poema de Hilda Hilst e nas idéias e adaptações de Zé Celso e no sempre Dionísio, deus amado e querido e sempre ovacionado aqui.
P.S.: texto inspirado no poema de Hilda Hilst e nas idéias e adaptações de Zé Celso e no sempre Dionísio, deus amado e querido e sempre ovacionado aqui.
segunda-feira, 6 de dezembro de 2010
Linda não, aquelas tuias
Olha só a caboquinha que baixou no meu sonhar
Linda não, aquelas tuia
Meu sonho foi pras cucuia quando dei fé de olhar.
Bem dizer, o jeito dela era um cristal de flanela de tanto fofo e brilhar
De lindeza bem muitona, de fofura desossada
Beicinho do bago grosso de bicudez encarnada
Um pilãozinho de cintura, dez léguas de formosura de vastidão deleitada
Criaturinha agarroza, festejosa no chegar
Cosquenta pelo cangote, mulecota nos coisar
Com três horas de espio, não dá pro cabra espiar
De tanto perigo afoito, trinta e sete, trinta e oito, os chinelins de pisar
Dois risquin de sobrancelha, os ói azul festejado
Platibandinha de testa, sem franzido ou pinicado
Linda não, aquelas tuia
Dei dois viva de aleluia, nesse sonho iluminado.
Mas repare meu cumpade, Cuma se deu o sonhado
A mãe dela intrometeu-se, de oxente interrogado
Eu só estou, caboquinha, tu essa hora sozinha nesse sonho amatutado
Sois cabocla apetrechada, de padrescíceras virtudes
Não te mete no destroço de viver de sonho e osso com o fulaninho dos grudes
Tu sois a miss lindeira, primeira nata da nata
Baliza tricampeã do estadual da Prata
Sois cabocla zero um, dos CPF tudin
Zero um das bonitezas, rainha das maciezas, sois discípla do pudim
Vai-te embora desse sonho, repara teu atrapalho
Tu podes morrer pisada pelos coturnos do orvalho
Será que tu não enxerga que esse sonho é coisa ruim?
Se teu pai não fizer não nada, dou-te uma surra bem dada, com uma fita de cetim
Acordei mais retesado, do que tora de imbúia
Banhei o rosto vincado, com quatro águas de cuia
Nunca mais sonhei com ela.
Uh... desorderinha dela
Linda não, aquelas tuia.
(Jessier Quirino)
Linda não, aquelas tuia
Meu sonho foi pras cucuia quando dei fé de olhar.
Bem dizer, o jeito dela era um cristal de flanela de tanto fofo e brilhar
De lindeza bem muitona, de fofura desossada
Beicinho do bago grosso de bicudez encarnada
Um pilãozinho de cintura, dez léguas de formosura de vastidão deleitada
Criaturinha agarroza, festejosa no chegar
Cosquenta pelo cangote, mulecota nos coisar
Com três horas de espio, não dá pro cabra espiar
De tanto perigo afoito, trinta e sete, trinta e oito, os chinelins de pisar
Dois risquin de sobrancelha, os ói azul festejado
Platibandinha de testa, sem franzido ou pinicado
Linda não, aquelas tuia
Dei dois viva de aleluia, nesse sonho iluminado.
Mas repare meu cumpade, Cuma se deu o sonhado
A mãe dela intrometeu-se, de oxente interrogado
Eu só estou, caboquinha, tu essa hora sozinha nesse sonho amatutado
Sois cabocla apetrechada, de padrescíceras virtudes
Não te mete no destroço de viver de sonho e osso com o fulaninho dos grudes
Tu sois a miss lindeira, primeira nata da nata
Baliza tricampeã do estadual da Prata
Sois cabocla zero um, dos CPF tudin
Zero um das bonitezas, rainha das maciezas, sois discípla do pudim
Vai-te embora desse sonho, repara teu atrapalho
Tu podes morrer pisada pelos coturnos do orvalho
Será que tu não enxerga que esse sonho é coisa ruim?
Se teu pai não fizer não nada, dou-te uma surra bem dada, com uma fita de cetim
Acordei mais retesado, do que tora de imbúia
Banhei o rosto vincado, com quatro águas de cuia
Nunca mais sonhei com ela.
Uh... desorderinha dela
Linda não, aquelas tuia.
(Jessier Quirino)
Adélia Prado - Bendito
Louvados sejas Deus meu Senhor,
porque o meu coração está cortado a lâmina,
mas sorrio no espelho ao que,
à revelia de tudo, se promete.
Porque sou desgraçado
como um homem tangido para a forca,
mas me lembro de uma noite na roça,
o luar nos legumes e um grilo,
minha sombra na parede.
Louvado sejas, porque eu quero pecar
contra o afinal sítio aprazível dos mortos,
violar as tumbas com o arranhão das unhas,
mas vejo Tua cabeça pendida
e escuto o galo cantar
três vezes em meu socorro.
Louvado sejas porque a vida é horrível,
porque mais é o tempo que eu passo recolhendo despojos,
– velho ao fim da guerra como uma cabra –
mas limpo os olhos e o muco do meu nariz,
por um canteiro de grama.
Louvados sejas porque eu quero morrer,
mas tenho medo e insisto em esperar o prometido.
Uma vez, quando eu era menino, abri a porta de noite,
a horta estava branca de luar
e acreditei sem nenhum sofrimento.
Louvado sejas!
P.S.: emociona-me. Deveras.
Adélia Prado - Para o Zé
Para o Zé
Eu te amo, homem, hoje como toda vida quis e não sabia, eu que já amava de extremoso amor o peixe, a mala velha, o papel de seda e os riscos de bordado, onde tem o desenho cômico de um peixe — os lábios carnudos como os de uma negra.
Divago, quando o que quero é só dizer te amo.
Teço as curvas, as mistas e as quebradas, industriosa como abelha, alegrinha como florinha amarela, desejando as finuras, violoncelo, violino, menestrel e fazendo o que sei, o ouvido no teu peito pra escutar o que bate. Eu te amo, homem, amo o teu coração, o que é, a carne de que é feito, amo sua matéria, fauna e flora, seu poder de perecer, as aparas de tuas unhas perdidas nas casas que habitamos, os fios de tua barba.
Esmero. Pego tua mão, me afasto, viajo pra ter saudade, me calo, falo em latim pra requintar meu gosto:
"Dize-me, ó amado da minha alma, onde apascentas o teu gado, onde repousas ao meio-dia, para que eu não ande vagueando atrás dos rebanhos de teus companheiros".
Aprendo. Te aprendo, homem. O que a memória ama fica eterno. Te amo com a memória, imperecível.
Te alinho junto das coisas que falam uma coisa só: Deus é amor. Você me espicaça como o desenho do peixe da guarnição de cozinha, você me guarnece, tira de mim o ar desnudo, me faz bonita de olhar-me, me dá uma tarefa, me emprega, me dá um filho, comida, enche minhas mãos.
Eu te amo, homem, exatamente como amo o que acontece quando escuto oboé. Meu coração vai desdobrando os panos, se alargando aquecido, dando a volta ao mundo, estalando os dedos pra pessoa e bicho.
Amo até a barata, quando descubro que assim te amo, o que não queria dizer amo também, o piolho.
Assim, te amo do modo mais natural, vero-romântico, homem meu, particular homem universal.
Tudo que não é mulher está em ti, maravilha.
Como grande senhora vou te amar, os alvos linhos,a luz na cabeceira, o abajur de prata; como criada ama, vou te amar, o delicioso amor: com água tépida, toalha seca e sabonete cheiroso, me abaixo e lavo teus pés, o dorso e a planta deles eu beijo.
domingo, 5 de dezembro de 2010
O escracho da poesia de Cazuza
Outro dia conversava com um amigo que disse não gostar da poesia de Cazuza. E disse que não gostava porque era uma poesia muito escrachada. Disse a ele que eu gostava. E que eu gostava justamente por ser uma poesia assim: escrachada. Meu amigo falou que jamais escreveria (se escrevesse) algo do tipo "sua piscina está cheia de ratos". E eu me lembrei de como foi importante cantar "dias sim, dias não/eu vou sobrevivendo sem um arranhão/da caridade de quem me detesta" em minha adolescência (a saber: o ápice de minha "revolta" era sentir isso que rola na música, quando discutia com minha mãe e achava que era assim que eu ia vivendo dia sim e dia não... Deus salve as mães! (risos de quem sabe que se um dia parir vai ter que lidar com moleque (ou moleca) se descobrindo, necessitando estar apartado de mim como uma forma de se reconhecer, para depois, enfim, saber que somos e temos, tantas vezes, tanto em comum...).
É justamente esse escracho de Cazuza que me cativa e fisga. Figuras como "Cansada com minhas meias três-quartos/rezando baixo pelos cantos/por ser uma menina má", "Mas ficou tudo fora de lugar/café sem açúcar, dança sem par/você podia ao menos me contar/uma história romântica" e "Confundo as tuas coxas com as de outras moças/te mostro toda a dor/te faço um filho/te dou outra vida pra te mostrar quem sou" são figuras escrachadas, explícitas, "exageradas" como um título de música sua, mas me rasgam. Se não me rasgam musicalmente (no que concerne a arranjos, melodia, técnicas, essas coisas das quais não entendo muito, mas que são mesmo primordiais), me rasgam no que diz respeito às letras. E já cheguei a pensar que é muito massa ser de um país onde temos um Cartola, um Noel Rosa, um Lupicínio Rodrigues, um Raul Seixas, um Chico Buarque, um Caetano Veloso e um Cazuza! E foi ele quem escreveu uma música que me serviu para acordar para a vida, quando eu era muito mais sonhadora do que de ir à luta. Aprendi a não ficar quieta, esperando e me sentindo mau com o mundo (e muitas vezes de mal com o mundo) ao ouvi-la algumas vezes em algumas situações (a saber: especialmente quando mudei de uma cidade do interior para Aracaju: não conhecia ninguém, achava estranho estar trancada dentro de casa, achava chato a impessoalidade das pessoas, sentia falta de um bocado de coisa, de pessoas, de lugares, de situações, de ações...sem saber que eu podia sim ressignificar tudo ao invés de ficar com cara de abortada esperando alguém que coubesse em meu mundo). Talvez eu faça uso meio auto-ajuda das coisas, meio terapêutico. Ou talvez só pareça assim pelo jeito que falo das coisas (livros, músicas), mas o fato é que, para minha adolescência, ouvir Cazuza, foi essencial. E foi essencial porque era tudo assim: escrachado.
P.S: mas, essa é a minha experiência com a poesia de Cazuza. Não houve discussão qualquer entre a gente sobre o assunto. Até porque cada um gosta e vive experiências com as coisas de maneira subjetiva. Só decidi escrever um post sobre algo e pronto. Mas, acho que ele sabe. Talvez não precisasse essa ressalva. Mas, vou deixá-la.
P.S: mas, essa é a minha experiência com a poesia de Cazuza. Não houve discussão qualquer entre a gente sobre o assunto. Até porque cada um gosta e vive experiências com as coisas de maneira subjetiva. Só decidi escrever um post sobre algo e pronto. Mas, acho que ele sabe. Talvez não precisasse essa ressalva. Mas, vou deixá-la.
sexta-feira, 12 de novembro de 2010
Miosótis
sexta-feira, 29 de outubro de 2010
Odores
"A noite, eu Ariana, preparando aroma e corpo".
Não lhe saía da cabeça os tais versos.
Segurou o copo com força. Pensou que se o quebrasse, ao menos o sangue…o sangue viria à tona. E precisava bastante de erupções.
Segurou, então, com muita força e nada rompia ali: nem noite, nem copo, nem alguma figura fantasmática pela porta.
Nenhuma palavra rompia aquele silêncio. Então decidiu gritar.
Gritou para dentro mesmo de si. E descobriu que não havia silêncio porra nenhuma. Ela tagarelara a noite inteira. Sua mente não fez silêncio para o dentro de si dela. E agora, aquela de palavras a romperem silêncios!
O silêncio é o caralho!
O copo rachou o espelho e não se partira.
Bom o material, concluiu. Caíra fofo no tapete. E ela bipartida, com a cara deformada, no espelho era uma figura patética.
Era melhor pegar um livro, fingir que nada aconteceu, limpar a cara torta pelos tantos copos de wiski barato e esperá-lo.
O que rompeu foi o dia: bem na cara dela o sol parecia de meio-dia.
Sentiu que esteve só o tempo todo. Tudo igual: espelho, copo no tapete que molhara e secara deixando um cheiro de álcool estragado. Como se pudesse álcool estragar, apodrecer…
O que apodreceu ali?
Tomou um táxi. Mas, o cheiro, o cheiro a acompanhava.
Não lhe saía da cabeça os tais versos.
Segurou o copo com força. Pensou que se o quebrasse, ao menos o sangue…o sangue viria à tona. E precisava bastante de erupções.
Segurou, então, com muita força e nada rompia ali: nem noite, nem copo, nem alguma figura fantasmática pela porta.
Nenhuma palavra rompia aquele silêncio. Então decidiu gritar.
Gritou para dentro mesmo de si. E descobriu que não havia silêncio porra nenhuma. Ela tagarelara a noite inteira. Sua mente não fez silêncio para o dentro de si dela. E agora, aquela de palavras a romperem silêncios!
O silêncio é o caralho!
O copo rachou o espelho e não se partira.
Bom o material, concluiu. Caíra fofo no tapete. E ela bipartida, com a cara deformada, no espelho era uma figura patética.
Era melhor pegar um livro, fingir que nada aconteceu, limpar a cara torta pelos tantos copos de wiski barato e esperá-lo.
O que rompeu foi o dia: bem na cara dela o sol parecia de meio-dia.
Sentiu que esteve só o tempo todo. Tudo igual: espelho, copo no tapete que molhara e secara deixando um cheiro de álcool estragado. Como se pudesse álcool estragar, apodrecer…
O que apodreceu ali?
Tomou um táxi. Mas, o cheiro, o cheiro a acompanhava.
P.S.: A tela é "Mulher ao espelho", de Pablo Picasso e o verso é de Hilda Hilst.
quinta-feira, 30 de setembro de 2010
Doce azedume
Quando estou
A lamber-lhe o cu,
Imagino a infância
Ali :
Frutas chão quintais...
... línguas atrevidas...
Eu feliz.
segunda-feira, 20 de setembro de 2010
Pica-flor
Trio de amantes
gravura digital raster
42x60 cm.
06/06/07
A uma freira que satirizando a delgada
fisionomia do poeta lhe chamou "Pica-Flor".
Se Pica-Flor me chamais,
Pica-Flor aceito ser,
Mas resta agora saber,
Se no nome que me dais,
Meteia a flor que guardais
No passarinho melhor!
Se me dais este favor,
Sendo só de mim o Pica,
E o mais vosso, claro fica,
Que fico então Pica-Flor.
fisionomia do poeta lhe chamou "Pica-Flor".
Se Pica-Flor me chamais,
Pica-Flor aceito ser,
Mas resta agora saber,
Se no nome que me dais,
Meteia a flor que guardais
No passarinho melhor!
Se me dais este favor,
Sendo só de mim o Pica,
E o mais vosso, claro fica,
Que fico então Pica-Flor.
Essa imagem merecia um dos poemas de Gregório de Matos de que mais gosto: Pica-flor.
Modos de amar XV
Para fechar os momentos, tem esse de Maria Tereza Horta, que é muito longo, e eu gosto particularmente, desse "Modo de amar XV":
(A boca – A rosa)
Entreabre-se a boca
na saliva da rosa
no raso da fenda
na fissura das pernas
Entreabre-se a rosa
na boca que descerra
no topo do corpo
a rosa entreaberta
E prolonga-se a haste
a língua na fissura
na boca da rosa
na caverna das pernas
que aí se entre-curva
se afunda
se perde
se entreabre a rosa
entre a boca
das pétalas
(A boca – A rosa)
Entreabre-se a boca
na saliva da rosa
no raso da fenda
na fissura das pernas
Entreabre-se a rosa
na boca que descerra
no topo do corpo
a rosa entreaberta
E prolonga-se a haste
a língua na fissura
na boca da rosa
na caverna das pernas
que aí se entre-curva
se afunda
se perde
se entreabre a rosa
entre a boca
das pétalas
Cerejas, meu amor
Momento Renata Pallottini?
Cerejas, meu amor,
mas no teu corpo.
Que elas te percorram
por redondas.
E rolem para onde
possa eu buscá-las
lá onde a vida começa
e onde acaba
e onde todas as fomes
se concentram
no vermelho da carne
das cerejas...
Cerejas, meu amor,
mas no teu corpo.
Que elas te percorram
por redondas.
E rolem para onde
possa eu buscá-las
lá onde a vida começa
e onde acaba
e onde todas as fomes
se concentram
no vermelho da carne
das cerejas...
Sem você...
Momento Ana Cristina Cesar?
Sem você bem que sou lago, montanha.
Penso num homem chamado Herberto.
Me deito a fumar debaixo da janela.
Respiro com vertigem. Rolo no colchão.
E sem bravata, coração, aumenta o preço.
Sem você bem que sou lago, montanha.
Penso num homem chamado Herberto.
Me deito a fumar debaixo da janela.
Respiro com vertigem. Rolo no colchão.
E sem bravata, coração, aumenta o preço.
Ariel
Momento Sylvia Plath?
Êxtase no escuro,
E um fluir azul sem substância
De penhasco e distâncias.
Leoa de Deus,
Nos tornamos uma,
Eixo de calcanhares e joelhos! – O sulco
Fende e passa, irmã do
Arco castanho
Do pescoço que não posso abraçar,
Olhinegra
Bagas cospem escuras
Iscas –
Goles de sangue negro e doce,
Sombras.
Algo mais
Me arrasta pelos ares –
Coxas, pêlos;
Escamas de meus calcanhares.
Godiva
Branca, me descasco –
Mãos secas, secas asperezas.
E agora
Espumo com o trigo, reflexo de mares.
O grito da criança
Escorre pelo muro
E eu
Sou flecha,
Orvalho que avança,
Suicida, e de uma vez se lança
Contra o olho
Vermelho, fornalha da manhã.
Sossegue Coração
Momento Lemisnky?
sossegue coração
ainda não é agora
a confusão prossegue
sonhos afora
calma calma
logo mais a gente goza
perto do osso
a carne é mais gostosa
(Paulo Leminsky)
sossegue coração
ainda não é agora
a confusão prossegue
sonhos afora
calma calma
logo mais a gente goza
perto do osso
a carne é mais gostosa
(Paulo Leminsky)
terça-feira, 7 de setembro de 2010
Rua da amargura, vale da agonia

As sílabas e as vírgulas
Reluzem como setas sinistras
Revelando teu beco, tua pica.
Com gosto na boca de seu cu,
Entreteço as palavras,
Esse caminho de amargura.
Enrola em meus dedos
A rubra língua maldita,
Demoníaca criatura.
Tua bunda é um vale e eu sou
O PÁSSARO.
Entorna tuas águas em mim, entorna,
Diabo!
terça-feira, 24 de agosto de 2010
A língua lambe
A língua lambe as pétalas vermelhas
da rosa pluriaberta; a língua lavra
certo oculto botão, e vai tecendo
lépidas variações de leves ritmos.
E lambe, lambilonga, lambilenta,
a licorina gruta cabeluda,
e, quanto mais lambente, mais ativa,
atinge o céu do céu, entre gemidos,
entre gritos, balidos e rugidos
de leões na floresta, enfurecidos.
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