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quinta-feira, 28 de abril de 2011

Charlotte's Scarpins (PARTE I)

Eu fingia que assinava o cheque enquanto aproveitava para inutilizá-lo. Borrei o valor, borrei a assinatura. O garoto estava drogado demais pra entender o que eu fiz. Eu sabia que era de programa e que tinha de pagar pelos serviços. Mas achei, ingenuamente, que gemia de verdade. Ofereci então um cheque. Ele segurava as chaves do meu carro dizendo que era menor de idade, e que se não me desse mais do que aquilo, ia ligar para recepção do motel e me denunciar. Ele queria era dinheiro de verdade. Enquanto ele girava no dedo a chave eu disse: faça! – Onde eu estava com a cabeça? Mas funcionou. Ele ficou numa praça e eu disse até logo. Esse cheque já deve ter sido usado pra embrulhar drogas, rogo a Deus que isso já tenha acontecido. Era meu nome afinal que andando por aí, ao bel prazer de um prostituto. Um prostituto de órgão imenso, mas estúpido. Gente que não conhece o mundo dos negócios, quando se mete nele, termina na sarjeta.

terça-feira, 19 de abril de 2011

AO "DAS FICÇÕES"

Ouvira falar em Clarice Lispector na juventude. Ontem ganhou de uma amiga “Água Viva” e, acostumada a ler livros de auto-ajuda, abriu-o com esperança e a mensagem do dia foi “Não é confortável o que te escrevo. Não faço confidências. Antes me metalizo. E não te sou e me sou confortável; minha palavra estala no espaço do dia. O que saberás de mim é a sombra da flecha que se fincou no alvo. Só pegarei inutilmente uma sombra que não ocupa lugar no espaço, e o que apenas importa é o dardo. Construo algo isento de mim e de ti – eis a minha liberdade que leva à morte.”

Fechou-o e leu-o depois, do início ao fim, perplexa, cheia de fascínio e horror com a realidade de que não há ajuda alguma. Viciou-se, instantaneamente, em liberdade.

domingo, 17 de abril de 2011

Nossos pelos pubianos (parte II)



Meu corpo inteiro tornara-se coisa pequena e sem uso ante seu corpo morto. No cemitério, quanto mais a pá cavava a terra, mais o buraco em mim crescia, menos vida eu vivia. Eu ficava pequeno. Eu bem sabia que quando se morre o corpo diminui.

Noite dessas, brincávamos de arrancar com pinças nossos pêlos pubianos, quando ele me disse que sem mim não saberia viver. Eu era quem sem ele não existiria jamais! Eu era quem havia se trancado naquele caixão junto com ele. Era quem não pedia pra que abrissem a tampa. Quando pusessem o último tijolo e cessassem de uma vez a nossa luz, estaríamos juntos, afinal. Eu estava ali dentro abraçado ao seu corpo esperando que nos deixassem em paz.

terça-feira, 12 de abril de 2011

HOMEM MALUCO NÃO É PARA QUALQUER UM

Homem maluco não é para qualquer um.

Quando parecia estar morrendo

Levantava de manhã potro recém parido.

Rompente.

O que vai ser agora?

Ele se foi e eu pareço estar indo também.

Em direção aos nossos dias estranhos de paz,

como se eu não soubesse que agora é ilusão.

Roubou de mim coisa que não desvendo.

Talvez um pedaço dessa carne doida.

Vejo os pingos de sangue no chão,

Ele agora sangra.

Há de carregar esse pedaço

Que há de apodrecer com ele.

Há de causar-lhe asco medonho e eterno.

Há de enlouquecê-lo ainda mais.

O verá enegrecer e enegrecerá junto com ele.

Ah, isso há de acontecer!

Não é o mal que desejo agora.

É o bem que eu desejo,

Porque aprendizagem está entre as coisas do bem.

Antes que isso aconteça, tomara que se arrependa e que volte.

Senão, eu lamento, ele vai desaparecer.

E se o destino for bonzinho,

O máximo que se tornará será uma mancha de sangue na calçada dessa casa.

Uma mancha de vermelho-ferrugem negligenciada por quem passa,

Por quem pisa.

O que o nutre ficou.

O que o livrará da crueldade desse mundo está aqui,

Fumando, batendo a bituquinha na quina da janela, suporte

Cativo de nossas trepadas.

Eis o máximo de minha oferta para que se arrependa e volte:

Mantê-lo louco perto de mim. Te prometo, meu amor.

Ontem à noite, era eu quem gritava endoidecido com a falta

Do teu jeito único de entrecortar nossa cólera com carinho.

Nesse instante, meu amado, a lua paira sobre a minha cabeça,

Mas amanhã de manhã, ah... amanhã de manhã...

O Sol, vermelho e furioso, pesará sobre a tua.

sexta-feira, 4 de março de 2011

"A gorda da cadeira"

Gorda como ela na rua não tinha. Gorda como a lua prata no céu. "A gorda da cadeira". Diziam assim dela, sentada, toda prostrada sobre a cadeira branca de plástico, à porta de casa. As pernas da cadeira já remendadas davam à imagem o toque do grotesco. Não sei como a cadeira aguentava. Mas ela era assim, igualzinha a Lua, gorda e solitária. Absorta, com a cara pra cima, brilhante, de tão oleosa. Os cabelos lisos e pretos, molhados de suor, se vertiam para dentro do imenso par de peitos. Houve um tempo em que eu até me masturbava pensando nela. Tenho tara por gordas. Hoje de manhã, a notícia da morte me deixou desgostoso. Seu Onofre, meu vizinho, me disse festejando que ela havia infartado durante a madrugada. Ali na rua nada acontece de diferente faz anos. Ninguém casa, ninguém morre. Só a notaram, disse o velho, às sete da matina. Ela acordava, tomava o café, ligava a vitrola e sentava à porta de sua casa, todos os dias, há mais de vinte anos. Sempre com um mini-short de seda vermelho e uma blusa de malha branca. Encardida, com as banhas a lhe escapar pelos buracos. Ninguém reclamava e também ninguém entendia. Só a notavam quando precisavam passar pela calçada. Ela atrapalhava a passagem dos transeuntes, toda imensa e espraiada na cadeira. Não sei se mais alguém lembra, mas eu lembro que ela não havia sido sempre assim. Eu lembro porque eu notava a Sônia, eu sempre a notei. Ela não notava ninguém.