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sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Um olhar (meta)físico de um outro lugar



Viajar é sempre uma experiência que foge ao ordinário, mesmo que se faça sempre.

Não por acaso o alhar de um estrangeiro se perde no abismo de possibilidades ou de reflexões que põe o indivíduo diante dele mesmo, de uma (meta) realidade que lhe escapa na hodierna relação com seu espaço, com suas memórias e referências, parece que diante deste novo espaço que se abre em terra estrangeira, o infinito se abre se opondo a finitude de tais relações.

Ser um corpo estranho em meio a um emaranhado de concreto, de corpos e ambientes, é por sua perspectiva em sucessões de eventos que te joga a um horizonte expansivo, ao mesmo tempo que, paradoxalmente, sentimos uma saudade incomensurável de nossa origem, de nossa fixidez, de nossa terra, de minha terra. Talvez, essa reflexão caiba apenas as minhas próprias reflexões, e se a tentativa de partilha-lha não alcance um caráter universal só reforça ainda mais que o indivíduo é uma construção de e para si.

Alguns eventos nesta última viagem mereceram um tempo específico para uma melhor digestão. Posso destacar a eleição presidencial no âmbito privado, vejamos:

Domingo dia 31 de outubro as 19 horas, Belo Horizonte, estado de Minas Gerais, segundo turno das eleições presidências, uma considerável porcentagem das urnas apuradas e Dilma Rousseff caminhava para ser a primeira mulher eleita presidente no país, a noite anunciava a vitória do partido dos trabalhadores, outrora representante de uma causa utópica-socialista, agora um partido claramente progressista de tendências neoliberais, ainda que negue tais posturas.

O que foi para mim INcrível, quase que metafísico, foi presenciar o entusiasmo de alguns jovens que se reunirão para comer pizza com coca-cola e acompanhar a apuração, a utopia socialista que foi por água abaixo a quase 10 anos atrás, parecia não representar nada para aqueles jovens esquerdistas, que enfervecendo-se da vitória petista gritavam felizes “ É DILMAAAA!!!!”, e ainda torciam para a vitória de todos os candidatos a governadores que eram do PT ou apoiado por este, independente do contexto local. Caminhavam após a degustação alimentícia, para um bairro nobre da cidade, bairro que segundo eles a política do PSDB se coadunava com as posturas de seus moradores, para agitarem a bandeira petista e mostrar que eles perderam.

A pergunta que fica é: o mito LULA vai além das massas e enturva também o olhar dos ditos esclarecidos ou é falta total de uma criticidade?

JT

sábado, 19 de junho de 2010

Dos lugares - Zicartola


Em Buraco (apelido carinhoso de nossa querida cidade), é comum reclamarmos que não há um lugar para irmos. Os lugares são ou elitizados ou alocam eventos que começam muito tarde da noite e, por esse motivo, torna-se de difícil acesso para quem não tem carro ou, no mínimo, carona certa.
Os domingos em Buraco são entediantes, os sábados mal-aproveitados, etc.
Como havia postado algo sobre o grande Cartola, não resisti e busquei um vídeo para mostrar um pouco do que foi e do significado do restaurante Zicartola: espaço onde havia excelente comida, pois Zica cozinhava muito bem, e excelente música, a saber, foi lá que teve nascimento a carreira de Paulinho da Viola!
Um trecho dessa história segue abaixo, retirado do livro "Paulinho da Viola, sambista e chorão", de João Máximo:

“(...) Zicartola, restaurante que Angenor de Oliveira, o Cartola, iluminado compositor, e sua mulher Zica, exímia cozinheira, abriram no sobrado da Rua da Carioca, 53. O restaurante foi uma espécie de extensão das reuniões que se faziam em outro local, o segundo andar da Rua dos Andradas, 81, onde funcionava a Associação das Escolas de Samba e onde Cartola e Zica viveram por algum tempo, ele como vigia de todo o prédio. Cartola – depois de longo sumiço que levara quase todo mundo a supô-lo morto – fora redescoberto por Sérgio Porto enquanto lavava carros em Copacabana. Para Sérgio, aquele negro magro, de nariz estranho, tumoroso, era o personagem principal das histórias que o tio Lúcio Rangel lhe contava, ilustradas por sambas admiráveis. Redescobrir o ‘falecido Cartola’ foi como dar vida a uma lenda. E Sérgio, cronista mais conhecido como Stanislaw Ponte Preta, teria todo o direito de gabar-se disso até o fim de seus dias.
O que se passou na Rua dos Andradas foi assim como se o Brasil quisesse recuperar o tempo perdido sem a música de Cartola. Pois era justamente para ver e ouvir Cartola que iam lá incontáveis sambistas, de início os mais ligados à tradição, como Zé Kéti e o jovem Élton [Medeiros]. (...) Zé Kéti aproximou-se de Cartola porque este tinha uma idéia: organizar um conjunto de samba a ser batizado de A Voz do Morro (...) O (...) conjunto – formado entre outros por Cartola, Nélson Cavaquinho, Jair do Cavaquinho, Nuno Veloso, Zé Kéti e o jovem Élton – não passou da idéia. O que não impediu que aquelas reuniões musicais ganhassem fama. Em pouco eram prestigiadas não só por representantes da bossa nova, como Carlos Lyra e Nélson Lins e Barros, mas por gente de outras cidades, outros estados, fazendeiro fretando avião a fim de levar seu povo para conhecer Cartola. Resultado: o sobrado ficou pequeno para tanta gente. Por isso Eugênio Agostini, um empresário louco por samba, deu a Zica a idéia do restaurante. Ele e os pri
mos Renato e Fábio seriam seus sócios, naturalmente bancando os gastos iniciais. Os pratos dela e os sambas de Cartola haveriam de fazer o resto. Que ela mesma procurasse o lugar para a nova casa. Andou, andou e achou o sobrado da Rua da Carioca.
O Zicartola duraria pouco, apenas 20 meses. Mas marcaria de forma profunda a vida cultural da cidade, ou mesmo do país, na música, no teatro, na poesia e nas idéias que eram discutidas nas noites das quartas e sextas-feiras, às mesas distribuídas pelo pequeno restaurante. Começou a funcionar em 9 de setembro de 1963, mas só em 18 de outubro foi considerado pronto para a inauguração oficial. Pratos e sambas não seriam o bastante para compensar os prejuízos causados pelos muitos amigos que chegavam, ouviam música, comiam, bebiam e penduravam as contas para nunca mais (sem falar nos que andaram metendo a mão na contabilidade de Cartola, grande artista, péssimo negociante). Mas o restaurante seria, durante esse tempo, um verdadeiro templo. (...) Ali professavam sua fé no samba tradicional Ismael Silva, Nélson Cavaquinho, Carlos Cachaça, bambas da Mangueira, da Portela, do Império Serrano, do Salgueiro, de toda parte.
Eram dois shows, sempre nas noites de quartas e sextas. No primeiro, aqueles bambas se apresentavam sob a direção musical de Zé Kéti. No segundo, brilhavam Cartola e seu violão. Seguia-se o grand finale, no qual um convidado ilustre recebia a Ordem da Cartola Dourada, criada por Hermínio [Bello de Carvalho]. (...)
Foi Hermínio quem levou Paulo César ao Zicartola. Um fato importante na vida do então bancário, pois ali ele ficou conhecendo sambistas que, em sua timidez, eram entidades inatingíveis. Mais importante: passava a ser um deles. Desde sua estréia no primeiro show da noite, cantando sambas dos outros, causou forte impressão. Inclusive em Cartola, de quem Paulo César se aproximou humilde, cheio de cerimônia. O encontro dos dois é historicamente significativo, verdadeira passagem de bastão, sem que no entanto se tivesse consciência disso. Muito do que Paulo César estava por fazer – manter a tradição, sem maculá-la, requintar o samba sem deformá-lo – Cartola já vinha fazendo. Não fossem ambos tão tímidos, tão reservados, e seria inevitável se tornarem parceiros. Mas Zé Kéti também se encantou com o som do violão de Paulo César, sua musicalidade, sua voz terna, afinada, que combinava o timbre de autêntico sambista de escola com a técnica precisa de crooner profissional. O diretor musical do restaurante logo anteviu
 no moço de 20 anos um novo bamba. Copmentou isso com o jornalista Sérgio Cabral, que na época assinava, com José Ramos Tinhorão, uma seção de música popular no Jornal do Brasil e era mestre de cerimônias no Zicartola. Sérgio concordava. Mas achava que, definitivamente, Paulo César não era nome de sambista.
– Que tal Paulo da Viola? – indagou Zé Kéti, certamente inspirado em Mano Décio da Viola, veterano compositor do Império Serrano.
– Paulinho... Paulinho da Viola é melhor – completou Sérgio.
E assim Paulo César Baptista de Faria foi rebatizado para todo o sempre.” 

O vídeo é Clementina de Jesus, no Zicartola cantando "Ensaboa". 
Ai, ai que tivéssemos um lugar aqui em Buraco onde fosse realmente legal ir, tomar umas cervejas, ouvir umas músicas legais, conversar com pessoas queridas, etc.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Ciências x Humanidades

Alimento o pesadelo de que, em alguns anos, os aviões não decolarão, mas todos nós seremos muito elegantes.
...mas é o caso de perguntar por que somente a arte teria poderes civilizatórios.
Sem desmerecer os excelentes alunos de cinema, letras ou sociologia, é impossível negar que, para alguém sem grande talento ou dedicação, será sempre mais fácil ser medíocre num curso de humanas do que num de exatas.

Todas as citações são do documentarista João Moreira Salles retiradas de um texto publicado na última edição de domingo do jornal Folha de São Paulo, no caderno Ilustríssima.


Li o artigo uma única vez. No computador da Bicen.

(...)

O texto aqui

terça-feira, 15 de junho de 2010

Da mágoa.


Constatei, com tristeza, que sou uma pessoa que carrega mágoas. E as carrego de uma maneira singular. Por isso, sempre me emociona ouvir essa passagem inteira do dvd da Elis Regina - dirigido, pasmem, por Daniel Filho para um especial da Rede Globo intitulado "Série Grandes Nomes" exibido em 1980. As músicas do trecho são Cadeira Vazia (Lupicínio Rodrigues), Atrás da Porta (Chico Buarque) e Essas Mulheres (Joyce).
Gravei na memória essa imagem de uma mulher bonita, um palco apenas com uma cadeira e os olhos da moça manchados com lágrimas negras.
Eu havia visto tal imagem de relance, numa das correrias de criança pela casa. E paralisei à época.
Há uns dois ou três anos, de tanto falar nessa imagem, agora nomeando a moça bonita com lágrimas negras de Elis Regina, ganhei o dvd. E sempre parava no trecho. E sempre sentia a mesma coisa de quando eu era criança.
Ontem, constatei o motivo. A letra de Lupicinio Rodrigues diz muito de como eu sinto mágoa.
Não odeio. Não detesto. Esqueço o gosto amargo da raiva com muita pressa. Porém, não consigo mais dar "carinho nem afeto" apesar de ser capaz de oferecer o meu teto.
Nomeio a isso de mágoa.
E eu sou dessas. Talvez fosse mais feliz de outro jeito. Mas, uma vez que alguém sai de meu coração: sai para valer. Não cismo com facilidade, mas quando cismo é para sempre.
Por isso o gosto por músicas "dor de cotovelo", por Almodóvar, pelo drama. Por isso os exageros, a entrega.
Sou brega. Desde pequena.
E a música, essa em especial, me fez conhecer um pouco mais de mim.
Não duvido que essa tenha sido uma das apresentações mais emocionantes da carreira de Elis Regina.
Termino o post lembrando-me de uma outra letra: "A fonte secou" de Raul Moreno:

Eu não sou água pra me tratares assim
Só na hora da sede é que procuras por mim
A fonte secou
Quero dizer que, entre nós, tudo acabou
(Bis)

Seu egoísmo me libertou
Não deves mais me procurar
A fonte do meu amor secou
Mas os teus olhos nunca mais hão de secar (Bis)

Pois é. Apesar de brega e de magoada, sou alguém que se diverte. E, como já constatou junto comigo um grande amigo querido: "Adoro música de vingança". 

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Boas conversas sobre maus tempos

Digo logo: parte dessa (postagem) é endereçada (risos) porque surgiu da boa conversa que tivemos.

É sempre bom ter boas conversas com as pessoas. Especialmente com as que a gente gosta.

E devanear é sempre proveitoso. Pois, entre loucuras, eis que surge algo que faz sentido. Nada psicanalítico, mas falando a gente elabora pensamentos e pode chegar a conclusões necessárias para solucionarmos algo em nós.

Foi assim que se deu comigo. Falando com uma amiga querida sobre trabalho, relações profissionais, sobre ter chefes, sobre ser chefe… Inevitavelmente falamos sobre poder. Sobre abusos de poder. Sobre exercício do poder.

Cheguei à conclusão, depois de muita conversa despretensiosa e de muito desabafo e de ter feito uma analogia entre uma empresa em que a amiga com quem conversava trabalhou e uma escola onde ensinei, de que eu, cinco anos depois de ter saído da tal escola, ainda sofro conseqüências do poder exercido pela coordenação do lugar.

Depois de ter pedido demissão (forçada posto que a condição de trabalho, psicologicamente falando, era para adoecer qualquer pessoa) , nunca mais coloquei currículo em escola alguma: eu que adorava ensinar, que tinha uma relação legal com os alunos, que tinha tantas idéias e tanta vontade de colocá-las em prática por mais tempo para apurar um método, etc.

Medo de as escolas se comunicarem entre si, medo de uma determinada figura de lá dar informação mentirosa sobre mim para me queimar… Medos que parecem descabidos, mas que são justificados pela filosofia do lugar. Pela filosofia fodida que eles sempre fizeram questão de incutir na cabeça dos professores: de que a fila fora da escola estava cheia de profissionais querendo emprego, querendo a vaga que ocupávamos ali, que a escola era conceituada e que Buracaju era pequena, que todos se conheciam, que um professor para ser "estrela" tinha que fazer e prezar o nome, cuidar da imagem, saber ser um marqueteiro pessoal, etc, etc. Faz tanto tempo que agora não me resta muita lembrança das ameaças em si. Mas, uma coisa é certa: ficou o medo. Ficou a sensação de insegurança.

Eu era muito jovenzinha. Ainda nem havia saído da Universidade. E nesse emprego acontecia algo muito paradoxal: eu era feliz dando aulas e era infeliz ao me relacionar com a coordenação.

O estopim se deu com a morte de minha mãe. Eu tinha direito a três dias para resolver problemas, tais como entrar com o pedido de auxilio funeral no IPES (minha mãe era funcionária do Estado), etc. No segundo dia em que eu resolvia os problemas e vivia o luto mais forte que podia viver, uma coordenadora me liga e pede para eu ir imediatamente para a escola. Independente de eu ter direito aos três dias, dizia ela, eu precisava ter bom senso, pois a escola precisava de mim.

Era mau senso meu. Era para depois do entrerro de minha mãe, no mesmo dia, eu ir trabalhar como se tivesse "ido ali" apenas.

Eu estava sem pai, sem mãe, sem nenhum parente e sem a menor condição psicológica de continuar no emprego. Estava estilhaçada, em frangalhos. A alma doía.

Tive apoio daquele que se tornou meu companheiro. Saí do lugar. E nunca mais me recuperei das dores.

Concluí a universidade. Trabalhei em outros lugares. Passei em concurso. Minha visão acerca do trabalho mudou muito depois de muitas leituras e das experiências por que passei, etc. Abri mão do concurso para fazer o mestrado (sempre com o apoio de meu companheiro).

E as conseqüências do que vivi nesse primeiro emprego me perseguem até hoje. Eu não consegui me desvencilhar da violência simbólica que sofri.

Eu não admitia que não ter procurado outra escola para ensinar era por conta desses medos, dessas relações. Descobri assim: conversando.

Foi algo muito importante. E só o começo de uma provável superação.

Agora, escrevendo, senti o gosto amargo daquela época na boca… Hora de parar.