terça-feira, 21 de dezembro de 2010
Oxum
A água me contou muitos segredos. E noite dessas, foi o vento, viu?
Eu e água (Caetano Veloso)
A água arrepiada pelo vento
A água e seu cochicho
A água e seu rugido
A água e seu silêncio
A água me contou muitos segredos
Guardou os meus segredos
Refez os meus desenhos
Trouxe e levou meus medos
Grande mãe me viu num quarto cheio d'água
Num enorme quarto lindo e cheio d'água
E eu nunca me afogava
O mar total e eu dentro do enterno ventre
E a voz de meu pai, voz de muitas águas
Depois o rio passa
Eu e água, eu e água
Eu
Cachoeirinha, lago, onda, gota
Chuva miúda, fonte, neve, mar
A vida que me é dada
Eu e água
A água arrepiada pelo vento
A água e seu cochicho
A água e seu rugido
A água e seu silêncio
A água me contou muitos segredos
Guardou os meus segredos
Refez os meus desenhos
Trouxe e levou meus medos
Grande mãe me viu num quarto cheio d'água
Num enorme quarto lindo e cheio d'água
E eu nunca me afogava
O mar total e eu dentro do enterno ventre
E a voz de meu pai, voz de muitas águas
Depois o rio passa
Eu e água, eu e água
Eu
Cachoeirinha, lago, onda, gota
Chuva miúda, fonte, neve, mar
A vida que me é dada
Eu e água
A água
Lava as mazelas do mundo
E lava a minha alma
Lava minha alma
segunda-feira, 6 de dezembro de 2010
Adélia Prado - Para o Zé
Para o Zé
Eu te amo, homem, hoje como toda vida quis e não sabia, eu que já amava de extremoso amor o peixe, a mala velha, o papel de seda e os riscos de bordado, onde tem o desenho cômico de um peixe — os lábios carnudos como os de uma negra.
Divago, quando o que quero é só dizer te amo.
Teço as curvas, as mistas e as quebradas, industriosa como abelha, alegrinha como florinha amarela, desejando as finuras, violoncelo, violino, menestrel e fazendo o que sei, o ouvido no teu peito pra escutar o que bate. Eu te amo, homem, amo o teu coração, o que é, a carne de que é feito, amo sua matéria, fauna e flora, seu poder de perecer, as aparas de tuas unhas perdidas nas casas que habitamos, os fios de tua barba.
Esmero. Pego tua mão, me afasto, viajo pra ter saudade, me calo, falo em latim pra requintar meu gosto:
"Dize-me, ó amado da minha alma, onde apascentas o teu gado, onde repousas ao meio-dia, para que eu não ande vagueando atrás dos rebanhos de teus companheiros".
Aprendo. Te aprendo, homem. O que a memória ama fica eterno. Te amo com a memória, imperecível.
Te alinho junto das coisas que falam uma coisa só: Deus é amor. Você me espicaça como o desenho do peixe da guarnição de cozinha, você me guarnece, tira de mim o ar desnudo, me faz bonita de olhar-me, me dá uma tarefa, me emprega, me dá um filho, comida, enche minhas mãos.
Eu te amo, homem, exatamente como amo o que acontece quando escuto oboé. Meu coração vai desdobrando os panos, se alargando aquecido, dando a volta ao mundo, estalando os dedos pra pessoa e bicho.
Amo até a barata, quando descubro que assim te amo, o que não queria dizer amo também, o piolho.
Assim, te amo do modo mais natural, vero-romântico, homem meu, particular homem universal.
Tudo que não é mulher está em ti, maravilha.
Como grande senhora vou te amar, os alvos linhos,a luz na cabeceira, o abajur de prata; como criada ama, vou te amar, o delicioso amor: com água tépida, toalha seca e sabonete cheiroso, me abaixo e lavo teus pés, o dorso e a planta deles eu beijo.
quarta-feira, 1 de dezembro de 2010
Maria Bethânia - Show Drama 3º Ato (1973)
Lembrei-me, com toda a confusão, por falar em escândalo, de uma música que sempre achei engraçada:
Maria Escandalosa desde criança sempre deu alteração
Na escola, não dava bola
Só aprendia o que não era da lição
Depois, a Maria cresceu, juízo que é bom encolheu
E a Maria Escandalosa, é muito prosa, é mentirosa, mas é gostosa
Maria Escandalosa desde criança sempre deu alteração
Na escola, não dava bola
Só aprendia o que não era da lição
Depois a Maria cresceu, juízo que é bom encolheu
E a Maria Escandalosa, é muito prosa, é mentirosa, mas é gostosa
Hoje ela não sabe nada de História, de Geografia
Mas seu corpo de sereia dá aula de anatomia
E a Maria Escandalosa, é muito prosa, é mentirosa, mas é gostosa
Maria Escandalosa desde criança sempre deu alteração
Na escola, não dava bola
Só aprendia o que não era da lição
Depois a Maria cresceu, juízo que é bom encolheu
E a Maria Escandalosa, é muito prosa, é mentirosa, mas é gostosa
Hoje ela não sabe nada de História, Geografia
Mas seu corpo de sereia dá aula de anatomia
E a Maria Escandalosa, é muito prosa, é mentirosa, mas é gostosa
Maria é muito prosa, é mentirosa, mas é gostosa demais
Escandalosa é muito prosa, é mentirosa, mas é gostosa
sábado, 20 de novembro de 2010
O maior da vida
quinta-feira, 18 de novembro de 2010
Nanomania
Seios pequenos, durinhos os bicos
A bunda arrebitada, redondinha
O sorriso largo para contrastar com a miudeza da vida
Tudo cabendo-lhe nas palmas das mãos, a sensação de guardar o mundo ali
Dizia sempre que a boca tem o tamanho da gula e que a gula era que era imensurável...
quarta-feira, 10 de novembro de 2010
Memória, tempo, sistema, constatação?
Vi algumas pessoas queridas. Soube notícias de tantas outras.
Constatei uma coisa triste: muitas de minhas amigas, colegas de escola, casaram-se e foram "maltratadas" (palavra mais comum de se ouvir nas conversas) pelos maridos. Quase todas tiveram filhos. Umas separam-se, outras ainda não...
O fato é que percebi a permanência de um sistema acabrunhado, preconceituoso, opressor, contrário às diferenças, contrário aos direitos da mulher.
Vou elaborar muito tudo o que vivi em dois dias.
"Tempo amigo, seja legal, conto contigo, pela madrugada..."
sexta-feira, 29 de outubro de 2010
Odores
Não lhe saía da cabeça os tais versos.
Segurou o copo com força. Pensou que se o quebrasse, ao menos o sangue…o sangue viria à tona. E precisava bastante de erupções.
Segurou, então, com muita força e nada rompia ali: nem noite, nem copo, nem alguma figura fantasmática pela porta.
Nenhuma palavra rompia aquele silêncio. Então decidiu gritar.
Gritou para dentro mesmo de si. E descobriu que não havia silêncio porra nenhuma. Ela tagarelara a noite inteira. Sua mente não fez silêncio para o dentro de si dela. E agora, aquela de palavras a romperem silêncios!
O silêncio é o caralho!
O copo rachou o espelho e não se partira.
Bom o material, concluiu. Caíra fofo no tapete. E ela bipartida, com a cara deformada, no espelho era uma figura patética.
Era melhor pegar um livro, fingir que nada aconteceu, limpar a cara torta pelos tantos copos de wiski barato e esperá-lo.
O que rompeu foi o dia: bem na cara dela o sol parecia de meio-dia.
Sentiu que esteve só o tempo todo. Tudo igual: espelho, copo no tapete que molhara e secara deixando um cheiro de álcool estragado. Como se pudesse álcool estragar, apodrecer…
O que apodreceu ali?
Tomou um táxi. Mas, o cheiro, o cheiro a acompanhava.
quarta-feira, 22 de setembro de 2010
Marcela ou As duas amantes
Poderia ter dado para qualquer outra ali da rua, da escola, das aulas de música. Tanto olhava as meninas com os baixos entre as pernas, nas aulas, que se perdia entre as partituras e os pensamentos.
Imaginava o baixo como o amante daquela que era a menina mais bonita da turma e a mais fútil também. Loura e distante. Com amantes mais velhos, todos sabiam naquele conservatório.
Era isso: ela decidira só olhar de longe, vez ou outra, as mulheres e seus amantes. Decidira ficar pacata, tornar-se invisível. Temia tocar no corpo de uma outra mulher. Sabia que ela mesma era para ela um segredo e, portanto, não suportaria o segredo de mais ninguém.
A música e o cigarro eram a sua fuga. Gostava de ver a fumaça distanciar-se no ar. E aprendera a fazer bolinhas e alguns outros desenhos com a fumaça.
E foi com uma dessas baforadas, no intervalo de suas aulas, que conheceu Marcela.
Conversaram. Tomaram coca-cola juntas e dividiram cigarro e fumaças.
Riam. Trocavam confidências. Leia-se: Marcela falava de si, ainda que tentasse incansavelmente arrancar-lhe os mistérios. A outra, ouvia, calada que era, a dona de um segredo.
Marcela falava de tudo. De música e de amores. De tristezas passadas e da fé no futuro. Mas, parecia não ter força o suficiente. Porém, sorria como que iluminando o rosto da amiga.
E então ela pensava: não posso desejar Marcela.
Aprendera, mesmo sem ter sido educada nos moldes católicos, a repreender muito do que sentia. Era a sua forma de guardar seu segredo.
As aulas terminaram para ela e continuariam para Marcela.
Houve um concerto para a festa de formatura. Bebidas, cheiros, cores. E a despedida. Despediu-se de todas as outras com o olhar. A loura estava magnífica e nem olhara para ela.
De Marcela, despediu-se com um abraço e um cigarro dividido do lado de fora da festa.
Saiu mais cedo e nunca mais vira Marcela.
Anos se passaram. Vivia de música, agora como professora e morava num minúsculo apartamento no centro de uma grande cidade. E, numa madrugada insone, ligou a televisão e afastou-se da sala.
Ouviu uma voz singular. Suave, cristalina…clara, clara e reconhecível… Voltou para a sala e vira Marcela.
Marcela estava magra como sempre e com um sorriso que iluminava, como sempre.
Ela olhou fixamente para a TV. Não acreditava que Marcela terminaria a música. Marcela demonstrava a mesma falta de força de sempre. Não conseguiria.
E sentou-se, inquieta.
Marcela foi tomando força, foi cantando cada vez mais firme. O piano, suave, gostoso de se ouvir. Marcela cantava forte, bonito, iluminado.
Então, ela abriu suas pernas, encontrou o seu sexo e ao fim da música, gozou com Marcela.
Poderia ter dado para Martha ou para Júlia. Para qualquer uma ali da rua, da escola, das aulas de música. Mas, deu para uma que ela não sabe ainda quem é. Conheceram-se depois que ela vira Marcela na TV. Conheceram-se durante um intervalo de aula, entre baforadas de cigarros e coca-cola. Esse rosto também ilumina quando sorri.
E agora pensa que, sem querer, Marcela lhe desvendara o segredo de uma vida quase inteira.
segunda-feira, 20 de setembro de 2010
Modos de amar XV
(A boca – A rosa)
Entreabre-se a boca
na saliva da rosa
no raso da fenda
na fissura das pernas
Entreabre-se a rosa
na boca que descerra
no topo do corpo
a rosa entreaberta
E prolonga-se a haste
a língua na fissura
na boca da rosa
na caverna das pernas
que aí se entre-curva
se afunda
se perde
se entreabre a rosa
entre a boca
das pétalas
Cerejas, meu amor
Cerejas, meu amor,
mas no teu corpo.
Que elas te percorram
por redondas.
E rolem para onde
possa eu buscá-las
lá onde a vida começa
e onde acaba
e onde todas as fomes
se concentram
no vermelho da carne
das cerejas...
Sem você...
Sem você bem que sou lago, montanha.
Penso num homem chamado Herberto.
Me deito a fumar debaixo da janela.
Respiro com vertigem. Rolo no colchão.
E sem bravata, coração, aumenta o preço.
Ariel
Momento Sylvia Plath?
Êxtase no escuro,
E um fluir azul sem substância
De penhasco e distâncias.
Leoa de Deus,
Nos tornamos uma,
Eixo de calcanhares e joelhos! – O sulco
Fende e passa, irmã do
Arco castanho
Do pescoço que não posso abraçar,
Olhinegra
Bagas cospem escuras
Iscas –
Goles de sangue negro e doce,
Sombras.
Algo mais
Me arrasta pelos ares –
Coxas, pêlos;
Escamas de meus calcanhares.
Godiva
Branca, me descasco –
Mãos secas, secas asperezas.
E agora
Espumo com o trigo, reflexo de mares.
O grito da criança
Escorre pelo muro
E eu
Sou flecha,
Orvalho que avança,
Suicida, e de uma vez se lança
Contra o olho
Vermelho, fornalha da manhã.
sexta-feira, 27 de agosto de 2010
Mulheres com TPM, uni-vos!
segunda-feira, 16 de agosto de 2010
Lugar de mulher? Como assim?
Da dificuldade da maternidade
Por isso, venho construindo a idéia de que o mais correto sou eu não parir.
Além, claro de concordar com Machado de Assis em Brás Cubas: para quê vou perpetuar uma raça como a dos homens, para que deixar sementes?
Mesmo sendo a contradição em pessoa e pensando que seria muito lindo e singular parir, criar, dividir um pouco de minha vida com uma outra criatura. Gestada e parida por mim ou (o que muitas vezes pensei) escolhida por mim, adotada, irmanada na alma.
De qualquer forma: mais medo de criar (educar, fazer, contribuir) uma pessoa nada boa do que de parir ou de errar numa escolha...
sábado, 14 de agosto de 2010
Uma tarde com Elza
Já vi que meu negócio é uma mulher cantando, num palco, com uma cadeira.
O resto comento depois.
Acho que isso vãor ender muitos post's.
Lembrei-me muito de Jadão e, especialmente, de Tiaguinho.
Agora: vou-me. Créditos na lan caindo...
sexta-feira, 30 de julho de 2010
Marizete, a verossímil.

Cuidava da mãe quase cadáver. Criava uma filha e o ódio pelo marido defunto que se suicidou por causa da vida de miséria. Era muito bom na cama, mas fraco com os pensamentos. Com ele não demorava a gozar. Ele sabia fazer. Mexia com os quadris como nenhum outro macho havia o feito com ela. Para isso ele era bom. Ah, ele mexia como ninguém. Mas tudo foi pelos ares com um tiro na cabeça. Não sabia onde ele tinha arranjado o revólver, aquele miserável. Era mesmo um imbecil. Deixou-lhe uma filha, uma única filha e sete abortos, e uma dívida no Banco do Brasil que ela nunca teria condições de pagar e para a qual não estava nem aí. Queria apenas continuar tendo coragem de agüentar o passar dos dias naquele barraco. Temia pela filha ainda menina e pela mãe, fraca e quase morta. Vez ou outra se deparava com um cadáver estendido nos fundos, de manhazinha. Tinha muita raiva quando isso acontecia. Medo também. Mas o medo ela escondia, assim como a fraqueza. Fingia como ela só. Lavava o rosto, penteava o cabelo puxando-o com força para trás até prendê-lo com elástico, com uma cara neutra, fingida.
Bebia para dormir. Uma garrafa da limpa era suficiente para, ao lado da filha e da mãe moribunda, acordar às 4:45 da manhã. Uma mulher ereta, parada ao pé da cama, amanhecendo sozinha, lavando o cabelo com sangue de galinha para dar brilho.
Em uma dessas manhãs, Larissa, sua filha, observava um bando de gente de pele bonita descendo de carros brilhantes, absorta. Vê dois pretos entre eles, suas peles não eram encardidas, brilhavam refletindo a luz do sol. Larissa, preta encardida, não entendia o que os dois faziam entre os outros. Usavam óculos escuros, máquinas fotográficas, cadernos e garrafinhas de água mineral. Todos sorriam exibindo dentes alvíssimos
- Tá fazendo aí o que, Larissa?
- Tem uns estudantes lá fora.
Zete esbaforida lavando roupa na lavanderia de cimento esburacada. Suspira pesado.
- Pega ali o balde e fecha a janela. Se lavou?
Larissa não responde e Zete a puxa pelo braço.
- Fecha essa porra! Já se lavou, Larissa? Hoje você come na escola.
Na porta, começam a bater. Três batidas comedidas. Ficam em silêncio. Outras três.
- Mãe, os estudan...
- Cala a boca.
Fala baixo, mas firme, com dedo indicador encostado nos lábios e olhos arregalados – Fique queta! - completa.
- Bom dia! – falam suavemente os de fora. D. Zete, podemos lhe fazer algumas perguntas sobre o bairro? É coisa rápida, não se preocupe.
Zete estava preocupada com os horários do emprego e da escola da menina. Achou melhor falar.
– A gente tá de saída! – E abriu a porta.
Duas estudantes. Peles limpas, claras e ensolaradas. Larissa parou novamente absorta. – Pois não? – disse Zete.
– A senhora trabalha no Lixão da Terra Dura?
– Não, Trabalho na cidade.
– A senhora sabe que seu barrac – a moça conteve a palavra – que sua casa está construída em cima de um morro que pode desabar com uma chuva forte?
- Ontem choveu pesado, mas o barraco é forte, ta aí, teso.
– Sua filha estuda?
- Sim – disse ligeira.
Não sabia que eram um objeto de estudo, mas odiava sê-lo. Descem e fecham o barraco com arame farpado. A mãe, esquecida, como em todas as manhãs.
- Menina, ande ligeiro. Por aí, não! Tem merda aí, não ta vendo?
Foram descendo e olhando para trás, as estudantes permaneceram paradas as observando.
- Vocês falaram com os caras para ficarem vadiando aqui em cima? – Questiona Zete voltando-se para as garotas. E elas começam a descer apressadas.
Zete deixou Larissa na escola e pegou o ônibus para a cidade. No condomínio dos patrões ela troca de roupa, pendura no banheiro de serviço as sandálias e o vestido marrom, surrado. Veste um uniforme cinza e branco. Pega o aspirador e uma flanela. Retoca o desodorante.
O patrão, Dr Alex, passa apressado e bate a porta. Zete liga o aspirador e começa a passá-lo no corredor.
- Marizete, entra aí.
Matilde, a patroa, escritora famosa de livros de auto-ajuda tem a cara branca marcada, cheia de vincos dos lençóis.
- Já fez sexo tântrico, Marizete?
Matilde sentada, de camisola, fumando. Um gole de Whisky sem gelo. Zete começa a passar o aspirador, engole arranhando. Pára dois segundos para entender e desliga o aspirador.
- Como é que é, D. Matilde? – espantada.
- Já fez sexo tântrico?
- Se a senhora já fez tanto sexo?
- Não, Zete. Deixa pra lá. A estúpida sou eu. Alex sugeriu que agora só fizéssemos sexo tântrico.
- O Seu Alex?
- É.
- Agora, D. Matilde, o que é isso? – curiosa.
- Penetração só depois de duas horas de carícias, no mínimo. E depois, então, o gozo.
- Mas como é isso? – retorce a cara sem acreditar.
- As pessoas se tocam, fazem massagens. Tocam o sexo assim, Marizete, mutuamente. Entram em transe, sabe? As pessoas conhecem um outro mundo.
Zete parecia que havia entendido. Pensou um segundo.
- Dá para mim não, D. Matilde - Ligou o aspirador, aproveitou o barulho do aparelho – Infeliz – sussurrou.
- Falou alguma coisa, Zete?
Desliga o aspirador.
- Não, D. Matilde – volta a ligar.
Matilde levanta, abre a cortina. Uma luz amarela se derrama no quarto.
- Nós fizemos essa noite.
Zete desliga o aspirador e começa a arrumar a cama.
- A senhora gostou?
- Dormi.
O dia passou como uma sensação de queda, rápido. E no final, o baque com a cara no duro vazio do tempo. Marizete já havia feito o supermercado, dado banho nos cachorros, aspirado o pó dos tapetes, lavado a louça e as janelas e espanado todas as cadeiras e poltronas da casa de Matilde. Eram muitas tarefas, todos os dias. Tinha que ser rápida. Era um mulher sem tempo para conversas. O sexo, quando dava, tinha que ser no fim de semana de madrugada, com Otávio, marido da Deó. Um sexo rápido, sem gozo, nunca igual ao do falecido, mas Otávio lhe trazia a bebida e isso bastava.
O dia seguinte veio como o anterior.