sábado, 5 de março de 2011
O REIZINHO GAY (Hilda Hilst)
O reizinho gay
Reinava soberano
Sobre toda nação.
Mas reinava...
APENAS....
Pela linda peroba
Que se lhe advinhava
Entre as coxas grossas.
Quando os doutos do reino
Fizeram-lhe perguntas
Como por exemplo
Se um rei pintudo
Teria o direito
De somente por isso
Ficar sempre mudo
Pela primeira vez
Mostrou-lhes a bronha
Sem cerimônia.
Foi um Oh!!! geral
E desmaios e ais
E doutos e senhoras
Despencaram nos braços
De seus aios.
E de muitos maridos
Sabichões e bispos
Escapou-se um grito.
Daí em diante
Sempre que a multidão
Se mostrava odiosa
Com a falta de palavras
Do chefe da Nação
O reizinho gay
Aparecia indômito
Na rampa ou na sacada
Com a bronha na mão.
E eram ós agudos
Dissidentes mudos
Que se ajoelhavam
Diante do mistério
Desse régio falo
Que de tão gigante
Parecia etéreo.
E foi assim que o reino
Embasbacado, mudo
Aquietou-se sonhando
Com seu rei pintudo.
Mas um dia...
Acabou-se da turba a fantasia.
O reizinho gritou
Na rampa e na sacada
Ao meio-dia:
Ando cansado
De exibir meu mastruço
Para quem nem é russo.
E quero sem demora
Um bocado negro
Para raspar meu ganso.
Quero um cu cabeludo!
E foi assim
Que o reino inteiro
Sucumbiu de susto.
Diante de tal evento...
Desse reino perdido
Na memória dos tempos
Só restaram cinzas
Levadas pelo vento.
Moral da estória:
a palavra é necessária
diante do absurdo.
segunda-feira, 20 de dezembro de 2010
AS BACANTES
É bom que seja assim, Dionisio, que não venhas.
Voz e vento apenas
Das coisas do lá fora
E sozinha supor
Que se estivesses dentro
Essa voz importante e esse vento
Das ramagens de fora
Eu jamais ouviria. Atento
Meu ouvido escutaria
O sumo do teu canto. Que não venhas, Dionísio.
Porque é melhor sonhar tua rudeza
E sorver reconquista a cada noite
Pensando: amanhã sim, virá.
E o tempo de amanhã será riqueza:
A cada noite, eu Ariana, preparando
Aroma e corpo. E o verso a cada noite
Se fazendo de tua sábia ausência.
(Hilda Hilst)
P.S.: texto inspirado no poema de Hilda Hilst e nas idéias e adaptações de Zé Celso e no sempre Dionísio, deus amado e querido e sempre ovacionado aqui.
segunda-feira, 6 de dezembro de 2010
Nossa! O que há com teu peru?
terça-feira, 28 de setembro de 2010
Devassos no paraíso: a homossexualidade no Brasil, da colônia à atualidade.

Lendo o Cartas de um sedutor, de Hildinha (rs), me deparei, sem muita ênfase, com a sugestão que faz do livro de João Silvério Trevisan “Devassos no paraíso”. O livro da escritora já é bem delicioso e libertino, mas andando pela livraria como se a andar atrás de diversão, eis que se expõe para mim feito michê, o livro do Trevisan. Leio-o como se a beber vinho. Ao mesmo tempo em que se enrijece o meu pau, conheço coisas fascinantes, me introduzo em conhecimento sobre o “homoerotismo”, ou homossexualidade, ou homossexualismo (e aí, já não significam mesmo para mim a mesma coisa) de maneira nunca antes pensada por mim.
O Trevisan cita fatos históricos da época do Brasil Colônia muito relevantes e desmunhecadores. Quando penso que estou a ler um texto meramente acadêmico, de repente, estou molhado de tesão, ou mergulhado em revolta. E não apenas. Eis uma pequena citação de um livro de Conrad Detrez, escritor Belga que veio ao Brasil na época da ditadura militar prestar serviços de seminarista:
“Meu amigo me prendeu bruscamente entre suas pernas, abriu minhas nádegas, me penetrou. Urrei de dor. Minha carne, minha pele se rasgaram. Sangrei, gritei que o amava, que ele estava me matando, que estava doendo, doendo muito, e que eu me entregava. Meu esperma jorrou sob mim, meu sangue escorreu por minhas coxas. Dormimos, comemos, nos amamos num cheiro de sangue seco, de suor, vivemos dois dias numa mistura de lágrimas e de jogos, de carícias muito suaves e perigosas, sentados, deitados, em pé, cometendo todos os desregramentos, todos os excessos que nossa imaginação pudesse conceber, excessos que nos teriam levado à morte se o Carnaval não tivesse terminado”.
Bem, ainda não o terminei. Tenho, pois, muitas outras coisas a fazer... o livro é grosso e pelo que me parece fora atualizado para a reedição. A primeira se esgotou há mais de dez anos desde a publicação. Moral da história: não sirvo mesmo para disciplinaridade, com tanta coisa para estudar, acabo sempre me inclinando à devassidão. Adoooro.
terça-feira, 24 de agosto de 2010
quinta-feira, 12 de agosto de 2010
O nome da morte
Ô susto é ler Da morte. Odes mínimas.
Dá para apelidar a xereca com maiores possibilidades de nome agora, viu?
Toda leitura é uma cicatriz.
segunda-feira, 9 de agosto de 2010
Coincidência hilstiana ou amor demais? Eu acredito em milagres, sim.
quarta-feira, 7 de julho de 2010
É bom que seja assim, Dionisio, que não venhas.
Voz e vento apenas
Das coisas do lá fora
E sozinha supor
Que se estivesses dentro
Essa voz importante e esse vento
Das ramagens de fora
Eu jamais ouviria. Atento
Meu ouvido escutaria
O sumo do teu canto. Que não venhas, Dionísio.
Porque é melhor sonhar tua rudeza
E sorver reconquista a cada noite
Pensando: amanhã sim, virá.
E o tempo de amanhã será riqueza:
A cada noite, eu Ariana, preparando
Aroma e corpo. E o verso a cada noite
Se fazendo de tua sábia ausência.
II
Porque tu sabes que é de poesia
Minha vida secreta. Tu sabes, Dionísio,
Que a teu lado te amando,
Antes de ser mulher sou inteira poeta.
E que o teu corpo existe porque o meu
Sempre existiu cantando. Meu corpo, Dionísio,
É que move o grande corpo teu
Ainda que tu me vejas extrema e suplicante
Quando amanhece e me dizes adeus.
III
A minha Casa é gurdiã do meu corpo
E protetora de todas minhas ardências.
E transmuta em palavra
Paixão e veemência
E minha boca se faz fonte de prata
Ainda que eu grite à Casa que só existo
Para sorver a água da tua boca.
A minha Casa, Dionísio, te lamenta
E manda que eu te pergunte assim de frente:
À uma mulher que canta ensolarada
E que é sonora, múltipla, argonauta
Por que recusas amor e permanência?
VI
Três luas, Dionísio, não te vejo.
Três luas percorro a Casa, a minha,
E entre o pátio e a figueira
Converso e passeio com meus cães
E fingindo altivez digo à minha estrela
Essa que é inteira prata, dez mil sóis
Sirius pressaga
Que Ariana pode estar sozinha
Sem Dionísio, sem riqueza ou fama
Porque há dentro dela um sol maior:
Amor que se alimenta de uma chama
Movediça e lunada, mais luzente e alta
Quando tu, Dionísio, não estás.
VIII
Se Clódia desprezou Catulo
E teve Rufus, Quintius, Gelius
Inacius e Ravidus
Tu podes muito bem, Dionísio,
Ter mais cinco mulheres
E desprezar Ariana
Que é centelha e âncora
E refrescar tuas noites
Com teus amores breves.
Ariana e Catulo, luxuriantes
Pretendem eternidade, e a coisa breve
A alma dos poetas não inflama.
Nem é justo, Dionísio, pedires ao poeta
Que seja sempre terra o que é celeste
E que terrestre não seja o que é só terra.
IX
“Conta-se que havia na China uma mulher
belíssima que enlouquecia de amor todos
os homens. Mas certa vez caiu nas
profundezas de um lago e assustou os peixes.”
Tenho meditado e sofrido
Irmanada com esse corpo
E seu aquático jazigo
Pensando
Que se a mim não deram
Esplêndida beleza
Deram-me a garganta
Esplandecida: a palavra de ouro
A canção imantada
O sumarento gozo de cantar
Iluminada, ungida.
E te assustas do meu canto.
Tendo-me a mim
Preexistida e exata
Apenas tu, Dionísio, é que recusas
Ariana suspensa nas tuas águas.
X
Se todas as tuas noites fossem minhas
Eu te daria, Dionísio, a cada dia
Uma pequena caixa de palavras
Coisa que me foi dada, sigilosa
E com a dádiva nas mãos tu poderias
Compor incendiado a tua canção
E fazer de mim mesma, melodia.
Se todos os teus dias fossem meus
Eu te daria, Dionísio, a cada noite
O meu tempo lunar, transfigurado e rubro
E agudo se faria o gozo teu.
sexta-feira, 2 de julho de 2010
domingo, 30 de maio de 2010
Hilda Hilst

Gente! Estou imparável hoje com essas (minhas) mulheres.
Ando mesmo querendo repensar o uso de pronomes possessivos nas falas que divido comigo mesma e com os outros. Mas, uma dificuldade: a Literatura. Os livros, as personagens, as escritoras (e os escritores) que amo, que me rodeiam. Eu acabo feito criança que diz que tudo é seu. Assim tendo a escrever/falar: minhas escritoras, meus lviros, meus textos...Valei-me senhor são brás dos egoísmos inocentes e sem intenção de o ser!
Eis uma das minhas escritoras prediletas. Gurua de minha vida!
E.G.E. (ESQUADRÃO GERIÁTRICO DE EXTERMÍNIO) - Hilda Hilst

O poeta pode ser violento. A maior parte das vezes contra si mesmo. Um tiro no peito, gás, veneno, um tiro na boca, como fez Hemingway, que também foi poeta em O Velho e o Mar; Maiakóvski, um tiro no peito; Sylvia Plath, gás de cozinha; Ana Cristina César, um salto pelos ares; etc etc etc. "Os delicados preferem morrer", dizia Drummond. Mas esta modesta articulista, sobretudo poeta, diante das denúncias feitas pela revista Veja, todos aqueles poços perfurados em prol de uma única pessoa ou em prol de amiguelhos de sua excelência, presidente da Câmara, senhor Inocêncio (a indústria da seca), e o outro com seu lindo carro às custas de gaze e esparadrapo... Credo, gente, quando você vê televisão ou in loco o povão famélico, desdentado, mirrado... Um amigo meu foi para o Ceará e passou os dias chorando! As crianças todas tortas, todos pedindo comida sem parar... e 500 toneladas de farinha apodrecendo... e montes de feijão desviados para uma só pessoa... (um parênteses, porque meu coração de poeta pede a forca, o fuzilamento, cadeia, cadeia para aqueles que se locupletam à custa da miséria absoluta, da dor, da doença). Gente, eu já estou uma fúria e para ficar mais calma proponho algumas coisas mais sutis, por exemplo: o Esquadrão Geriátrico de Extermínio, a sigla óbvia seria EGE. Arregimentaríamos várias senhoras da terceira idade, eu inclusive, lógico, e com nossas bengalinhas em ponta, uma ponta-estilete besuntada de curare (alguns jovens recrutas amigos viajariam até os Txucarramãe ou os Kranhacarore para consegui-lo) nos comícios, nos palanques, nas Câmaras, no Senado, espetaríamos as perniciosas nádegas ou o distinto buraco malcheiroso desses vilões, nós, velhinhas misturadas às massas, e assim ninguém nos notaria, como ninguém nunca nota a velhice. Nossas vidas ficariam dilatadas de significado, ó que beleza espetar bundões assassinos, nós faceiras matadoras de monstros!
O curare é altamente eficiente, provoca rapidinho a paralisia completa de todos os músculos transversais (bunda é transversal?) e em seguidinha sobrevém a morte por parada respiratória. Ficaríamos todas ao redor do coitadinho, abanando: óóóó, morreu é? Um pedido ao presidente Itamar: severidade, excelência, é ignominioso, indigno, insultante para todos nós, deste pobre Brasil tão saqueado, que essas terríveis denúncias terminem no vazio, no nada, na impunidade. É sobretudo perigoso porque:
de cima do palanque
de cima da alta poltrona estofada
de cima da rampa
olhar de cima
LÍDERES, o povo
Não é paisagem
Nem mansa geografia
Para a voragem
Do vosso olho.
POVO, POLVO
UM DIA.
O povo não é o rio
De mínimas águas
Sempre iguais.
Mais fundo, mais além
E por onde navegais
Uma nova canção
De um novo mundo.
E sem sorrir
Vos digo:
O povo não é
Esse pretenso ovo
Que fingis alisar,
Essa superfície
Que jamais castiga
Vossos dedos furtivos.
POVO. POLVO.
LÚCIDA VIGÍLIA.
UM DIA.
Fluxo-floema - Hilda Hilst (uma forma de amor: entregar textos-vida assim: puft! "Entrego-vos este assim: puft! Preciso dizer: amo-os?)

Osmo
Enfim, o existir não me confunde nada. O que me confunde é a vontade súbita de me dizer, de me confessar, às vezes eu penso que alguém está dentro de mim, não alguém totalmente desconhecido, mas alguém que se parece a mim mesmo, que tem delicadas excrescências, uns pontos rosados, outros mais escuros, um rosado vermelho indefinido, e quando chego bem perto dos pequenos círculos, quando tento fixá-los, vejo que eles têm vida própria, que não são imóveis como os poros de Mirtza, que eles se contraem, se expandem, que eles estão à espera... de quê? De meus atos. Não meus atos cotidianos, nada disso de se levantar da cama, tomar resoluções, banho caminhar, não é nada disso, talvez em alguns dias, quem sabe, esses pequenos atos se encadeiem de modo me levar ao grande ato, não sei, preciso refletir mais demoradamente, e chamo o meu ato de grande ato não porque ele tenha importância para mim, para mim é simples, é apenas muito estimulante, mas o grande ato deve ter importância para a maior parte das gentes, ah, isto eu sinto que é verdade, porque se não tivesse importância eu não me confundiria tanto, quero dizer, eu não ficaria tão em dúvida quanto à possibilidade de me dizer aos outros, de me confessar. E quando faço o que convencionei chamar de “o grande ato”, vejo que um daqueles pontos rosados se fecha, cicatriza, é como se nunca ele tivesse existido, porque a pele desse outro alguém que está dentro de mim, a pele do dono desses pontos rosados, só deseja uma coisa: desfazer-se das delicadas excrescências. Quando eu penso em todas essas coisas, penso também na dificuldade de descrevê-las com nitidez para todos vocês. Vocês são muitos, ou não? Gostaria de me confessar a muitos, gostaria de ter uma praça, um descampado talvez fosse melhor, porque no descampado, olhando para todos os lados (não se preocupem com as minhas rimas internas) para essa coisa de norte sul leste oeste, vocês compreenderiam com maior clareza, vocês respirariam mais facilmente, e poderiam vomitar também sem a preocupação de sujar o cimento, poderiam vomitar e jogar em seguida um pouco de terra sobre o vômito, e quem sabe depois vocês fariam pequenas bolas com todos os vômitos, naturalmente usando luvas especiais, claro, e lançariam as bolas com ferocidade sobre mim. E se houvesse alguém parecido comigo, eu o colocaria ao meu lado, e quem sabe depois viria mais alguém, e outros e muitos, e ficasse um apenas, a atirar o seu bolo de vômito e terra sobre nós, isso seria o ideal porque poderíamos organizar uma bela partida de beisebol, beisebol sim, beisebol é mais vida, a bola a gente agarra, a gente abraça, a gente encosta no peito. Beisebol sim. Incrível. Eu não imaginava conseguir dizer tanto. Incrível. Eu sempre me penso fechado, sobre mim uma lâmina de pura resistência, uma lâmina coesa, fosca, uma lâmina sobre os meus costados, chegando até a cabeça, em forma de viseira, se colocando depois sobre o meu rosto, e eu carrego esta lâmina e ando um pouco agachado, assim como esses velhos que têm sempre um feixe de lenha sobre os ombros, e olhem que eu sou bem alto, e assim mesmo me seu agachado. (...) Penso: vocês não serão culpados do meu grande ato?
O Unicórnio
Com os meus olhos de cão - Hilda Hilst

Primeiro conto (vulgo short stories) __ Mãezinha, ando farto das tuas besteiras sobre moralidade e família à hora do jantar. Já te vi várias vezes chupando o pau de papai. Me deixa em paz. Assinado, Júnior.
Segundo conto (vulgo short stories) __ Vidinha, pensa bem, tu tem cinqüenta e eu vinte e cinco. Tu diz que é o espírito que conta. Eu compreendo Vidinha, mas tô me mandando. Não deprime. A gente se cruza, tá? Assinado, Laércio. Toda essa fala eu ouvi tomando guaraná no balcão de um armazém. Ele era um garotão, ela uma gordota de olho pretinho.
Terceiro conto (vulgo short stories) __ O nome dele é Sol e Adultério. O do meu marido é Elias. Meus filhos se chamam Ednilson e Joaquim. Tenho vontade que todos morram. Menos ele. (Aquele primeiro, luz e cama.) Sinto muito meu Deus, mas é assim. Assinado: Lazinha. Deste eu gosto muito. Adultério lhe parecia na adolescência uma palavra belíssima. Agora também. Depois da Aids, menos. Luz e cama foi um achado. A professora esbofeteou-lhe a cara. O pessoal do farfalhar de folhas passarelhos nos ramos brisas na cara teve como prêmio um piquenique. As notas mais altas de redação praqueles bobocas. Amós foi expulso. Perdeu o ano. Pegou pneumonia. Os coleguinhas mandaram-lhe um poema breve: Bancou o sabido, o espertinho, o vivo/ e só se fodeu / Amós, o inventivo.
Assumo: amo: Clarice, Hilda, Adélia, Alina, Vírginia, Katerine...
Mas, não dá para negar: puta-que-pariu! Hilda me tira a voz. E eu adoro. Adoro.