sábado, 20 de novembro de 2010

O maior da vida


Ela queria o maior. Mas, não sabia dizer, expressar. Chegaria na mercearia, na esquina, e pediria, com sorriso no rosto:
- Por gentileza, quero o maior da vida, sim?
Perguntariam-lhe o que é que ela queria maior? Pão? Caixa de sabão em pó? Maior tempo para pensar a resposta da promoção de creme dental?
Talvez pensasse em reformular a pergunta ou mesmo o público para a indagação.
Procuraria um psicólogo, assim. Mas, não. Não queria voltar à infância e à convivência com seus pais. Não queria rememorar nada antigo. Era-lhe preferível o futuro. Se pensara em movimento, era o de projeção para adiante.
Queria e com urgência era o maior da vida. Isso sim.
O maior da vida era não-verbalizável. Não-compreensível. Não-captável. O maior da vida era um território não-habitado como a casa engraçada do poeta.
Por saber dessa impossibilidade-possível, acalmou-se. Acendeu um cigarro, uma vez que não fumava. Serviu-se de uma bebida qualquer só para sentir por dentro a vertigem de viver.
Abriu a porta e saiu.
Na praça, fez o caminho de Ana. A do conto que lera. Encontrou o mesmo verde do jardim. O cheiro doce da Natureza também revolveu-lhe o estômago.
Comprou ovos. Tomou um ônibus. Viu o mesmo cego a mascar chicletes. Derrubou a cesta com ovos, atônita como a outra com o Tempo, com o Cego e a Cegueira.
Tocou o visgo da clara e da gema. De maneira igual, não descobriu nada, mas sentiu mudar-lhe a vida por completo.
Voltou para o apartamento. Encontrou marido, jornal, meias pela sala, crianças famintas, a chorar-lhe saudades e temores de abandono já doído nos pequerruchos coraçõezitos.
Sorriu e sentiu-se uma estrela. Como a da mesma autora.
Passou pelo marido esticado na poltrona, acariciou-lhe o que restava de cabelos naquela cabeça antiga e costumeira e falou:
- Amanhã, mudo de autora, para a distração.
E sentiu o eco de sua voz, como se estivesse sozinha e só.


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