sexta-feira, 30 de julho de 2010

Marizete, a verossímil.



Cuidava da mãe quase cadáver. Criava uma filha e o ódio pelo marido defunto que se suicidou por causa da vida de miséria. Era muito bom na cama, mas fraco com os pensamentos. Com ele não demorava a gozar. Ele sabia fazer. Mexia com os quadris como nenhum outro macho havia o feito com ela. Para isso ele era bom. Ah, ele mexia como ninguém. Mas tudo foi pelos ares com um tiro na cabeça. Não sabia onde ele tinha arranjado o revólver, aquele miserável. Era mesmo um imbecil. Deixou-lhe uma filha, uma única filha e sete abortos, e uma dívida no Banco do Brasil que ela nunca teria condições de pagar e para a qual não estava nem aí. Queria apenas continuar tendo coragem de agüentar o passar dos dias naquele barraco. Temia pela filha ainda menina e pela mãe, fraca e quase morta. Vez ou outra se deparava com um cadáver estendido nos fundos, de manhazinha. Tinha muita raiva quando isso acontecia. Medo também. Mas o medo ela escondia, assim como a fraqueza. Fingia como ela só. Lavava o rosto, penteava o cabelo puxando-o com força para trás até prendê-lo com elástico, com uma cara neutra, fingida.

Bebia para dormir. Uma garrafa da limpa era suficiente para, ao lado da filha e da mãe moribunda, acordar às 4:45 da manhã. Uma mulher ereta, parada ao pé da cama, amanhecendo sozinha, lavando o cabelo com sangue de galinha para dar brilho.

Em uma dessas manhãs, Larissa, sua filha, observava um bando de gente de pele bonita descendo de carros brilhantes, absorta. Vê dois pretos entre eles, suas peles não eram encardidas, brilhavam refletindo a luz do sol. Larissa, preta encardida, não entendia o que os dois faziam entre os outros. Usavam óculos escuros, máquinas fotográficas, cadernos e garrafinhas de água mineral. Todos sorriam exibindo dentes alvíssimos

- Tá fazendo aí o que, Larissa?

- Tem uns estudantes lá fora.

Zete esbaforida lavando roupa na lavanderia de cimento esburacada. Suspira pesado.

- Pega ali o balde e fecha a janela. Se lavou?

Larissa não responde e Zete a puxa pelo braço.

- Fecha essa porra! Já se lavou, Larissa? Hoje você come na escola.

Na porta, começam a bater. Três batidas comedidas. Ficam em silêncio. Outras três.

- Mãe, os estudan...

- Cala a boca.

Fala baixo, mas firme, com dedo indicador encostado nos lábios e olhos arregalados – Fique queta! - completa.

- Bom dia! – falam suavemente os de fora. D. Zete, podemos lhe fazer algumas perguntas sobre o bairro? É coisa rápida, não se preocupe.

Zete estava preocupada com os horários do emprego e da escola da menina. Achou melhor falar.

– A gente tá de saída! – E abriu a porta.

Duas estudantes. Peles limpas, claras e ensolaradas. Larissa parou novamente absorta. – Pois não? – disse Zete.

– A senhora trabalha no Lixão da Terra Dura?

– Não, Trabalho na cidade.

– A senhora sabe que seu barrac – a moça conteve a palavra – que sua casa está construída em cima de um morro que pode desabar com uma chuva forte?

- Ontem choveu pesado, mas o barraco é forte, ta aí, teso.

– Sua filha estuda?

- Sim – disse ligeira.

Não sabia que eram um objeto de estudo, mas odiava sê-lo. Descem e fecham o barraco com arame farpado. A mãe, esquecida, como em todas as manhãs.

- Menina, ande ligeiro. Por aí, não! Tem merda aí, não ta vendo?

Foram descendo e olhando para trás, as estudantes permaneceram paradas as observando.

- Vocês falaram com os caras para ficarem vadiando aqui em cima? – Questiona Zete voltando-se para as garotas. E elas começam a descer apressadas.

Zete deixou Larissa na escola e pegou o ônibus para a cidade. No condomínio dos patrões ela troca de roupa, pendura no banheiro de serviço as sandálias e o vestido marrom, surrado. Veste um uniforme cinza e branco. Pega o aspirador e uma flanela. Retoca o desodorante.

O patrão, Dr Alex, passa apressado e bate a porta. Zete liga o aspirador e começa a passá-lo no corredor.

- Marizete, entra aí.

Matilde, a patroa, escritora famosa de livros de auto-ajuda tem a cara branca marcada, cheia de vincos dos lençóis.

- Já fez sexo tântrico, Marizete?

Matilde sentada, de camisola, fumando. Um gole de Whisky sem gelo. Zete começa a passar o aspirador, engole arranhando. Pára dois segundos para entender e desliga o aspirador.

- Como é que é, D. Matilde? – espantada.

- Já fez sexo tântrico?

- Se a senhora já fez tanto sexo?

- Não, Zete. Deixa pra lá. A estúpida sou eu. Alex sugeriu que agora só fizéssemos sexo tântrico.

- O Seu Alex?

- É.

- Agora, D. Matilde, o que é isso? – curiosa.

- Penetração só depois de duas horas de carícias, no mínimo. E depois, então, o gozo.

- Mas como é isso? – retorce a cara sem acreditar.

- As pessoas se tocam, fazem massagens. Tocam o sexo assim, Marizete, mutuamente. Entram em transe, sabe? As pessoas conhecem um outro mundo.

Zete parecia que havia entendido. Pensou um segundo.

- Dá para mim não, D. Matilde - Ligou o aspirador, aproveitou o barulho do aparelho – Infeliz – sussurrou.

- Falou alguma coisa, Zete?

Desliga o aspirador.

- Não, D. Matilde – volta a ligar.

Matilde levanta, abre a cortina. Uma luz amarela se derrama no quarto.

- Nós fizemos essa noite.

Zete desliga o aspirador e começa a arrumar a cama.

- A senhora gostou?

- Dormi.

O dia passou como uma sensação de queda, rápido. E no final, o baque com a cara no duro vazio do tempo. Marizete já havia feito o supermercado, dado banho nos cachorros, aspirado o pó dos tapetes, lavado a louça e as janelas e espanado todas as cadeiras e poltronas da casa de Matilde. Eram muitas tarefas, todos os dias. Tinha que ser rápida. Era um mulher sem tempo para conversas. O sexo, quando dava, tinha que ser no fim de semana de madrugada, com Otávio, marido da Deó. Um sexo rápido, sem gozo, nunca igual ao do falecido, mas Otávio lhe trazia a bebida e isso bastava.

O dia seguinte veio como o anterior.

Um comentário:

  1. gosto do que escreve. suas mulheres são muito fortes, mesmo que degeneradas...

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