domingo, 1 de agosto de 2010

Canções de Baal

Sexta-feira, enfim, assisti ao Canções de Baal, de Helena Ignez.
Antes, ela prórpia, em terra sua - a Bahia- o apresentou. Estava com uma bata cor de goiaba e meias coloridas, dessas que lembram pinturas, parecem-se com tatuagens...
Na entrada da sala do TCA (Teatro Castro Alves), quando a avistei, não pude deixar de lembrar-me do filme do Sganzerla em que ela, roda a cidade, a gritar: "Eu não sou tarada, eu não sou tarada!", depois (ou antes) de repetidas frases de medo da velhice.
Ela era bela, jovem.
Hoje, seu rosto já envelhecido, guarda sinais de uma beleza sapeca e brehtchiana, avacalhadora da época daqueles filmes. E seu tamanho mignon faz com que nunca esqueçamos daquela Helena da Boca do Lixo.

Voltando das minhas viagens, ouvi uma garota falar: "O que é que o rock não faz com as pessoas, não é?". Falava, rindo-se muito, que encontrara Helena Ignez no banheiro  (antes da apresentação do filme) e olhou para ela e pensou logo essa coisa do rock, achando-a acabada, velha... E mais adiante, ironizou: "Será que devo esboçar alguma emoção, afinal de contas "fulano" me disse que ela teve uma importância tão grande pro cinema brasileiro...não, acho melhor eu ir fazer xixi".
Essa pessoa diz ter uma ligação muito forte com fotografia e vive frequentando cursos de cinema, etc.
Oquei.

Vamos ao Canções.
Terminada a sessão, é importante eu falar, eu disse: "Ufa! Valeu ter namorado Glauber, Bressane e Sganzerla, viu?".
Comentário machista, infame, piada sem graça. Era o dia de Helena (inda bem que ela não nos ouvia)!

Gostei muito do filme. Belo. Dionisíaco. Avacalhado, sem ser a fórmula do cinema da Boca. Leia-se: não é nostálgico, não é re-leitura de uma época. Não é o filme que a atriz desses tantos filmes das décadas dos 60 e 70 poderia fazer. E muito menos pode-se dizer que ela é um Bressane ou, mais ainda, um Sganzerla de saias. Apesar de o filme guardar um diálogo com Sganzerla sim. Esse que não só foi o grande amor da vida de Helena, mas um grande diretor de cinema do Brasil.

A arte é esplendorosa nesse filme de Helena Ignez. Os planos são de uma elaboração feliz. E Baal, cafajeste macunaimizado, que come as mais belas ninfetas é posto com tamanha sensibilidade para a gente que não dá raiva, que, ao contrário, emociona.

Como o filme se propõe um filme de canções, as músicas e versões cantadas por Careqa são uma mistura de nonsense e poesia, de tirar o fôlego.


Helena Ignez é uma atriz brechetiana e faz um filme em homenagem a Brecht. Assim, temos como primeiro plano a entrevista deste, em língua inglesa, dando satisfações aos americanos no Comitê de Atividades Anti-Americanas. E, todo o filme é permeado por essas falas e a todo momento, desse modo, somos chamados atenção para o absurdo da existência de comitês desse tipo à época e, consequentemente, somos levados a pensar nos resultados disso para nós, hoje.
Temos um Einstein interpretado por ator brasileiro que é espetacular ao nos fazer pensar a antropofagia cultural que arranjamos por aqui no Brasil e que perpetramos, agora, noutros moldes - e é esse o ponto do filme de Helena Ignez: ela fala dessa antropofagia hoje.
E, por mais que eu tenha dito que Baal é um cafajeste macunaímico, não podemos, por conta do colorido do filme, das sacanagens de Baal, da sedução deste, da preguiça e da boemia suas também, não podemos dizer que Helena não lança um outro olhar a todo esse processo que seja diferente do dos anos do cinema marginal.

E a estetização, a homenagem que ela faz a questão cinematográfica mesma, nos informa isso. Helana faz opções e segue um caminho que é dela própria. Isso é muito fortalecido nas aparições de Djin Sganzerla numa projeção de filme numa parede e nas aparições de Simone Spoladore no banho de cachoeira (vide a foto da postagem) e, mais adiante, num tipo de tanque, com águas esverdeadas, como se fosse uma tela (são as águas do cinema, sua fluidez atualmente debatida?).

Estou ainda em Salvador. Já já viajo. Estou cansadíssima e, por esse motivo, talvez não consiga atingir o ponto que eu quero falando de Canções de Baal se não for do jeito que sei falar de cinema, de filme que me deixa feliz em assistir: É um filme do caralho e que me deixou feliz. É bonito, é de uma sensibilidade singular e, para mim, guarda importância por ser dirigido por ela, que é uma das atrizes brasileiras que mais admiro.

P.S.: não poderia deixar de frisar que nas cenas iniciais, no encontro de Baal com figuras nada comuns, (doente, velhos, drogados, loucos, nus, degradados) bebendo champagne, a velha que abrira as portas para Baal aparecer no filme, para nós telespectadores, ela fala: "Não entendi nada". E, Baal, olhando direto para a câmara, ou seja, para o cinema ou para cada um de nós escpetadores, responde: "Se alguém que ouviu uma história diz que entendeu tudo é porque a história não foi bem contada".

Ui. Tome-lhe bofetada na cara dos que saíram da sala (porque sempre há essas pessoas, assim também aconteceu na exibição de Saló, de Pasolini, um cara saiu dizendo que para ver pornografia, viria na Internet mesmo) ou dos que se propõem a estudar fotografia, cinema, seja lá o que for e não sabem dar a devida importância a Helena Ignez. Ui, tome!
Se bem que teve gente que me respondeu, quando comentei isso ao vivo e a cores, que não era todo mundo que tinha a obrigação de gostar das coisas que eu gostava.
Como se eu tivesse impondo um modo, um gosto por achar estranho alguém desconhecer a existência de Helena Ignez quando se propõe a estudar cinema no Brasil.
Oquei.

P.S. do P.S.: a homossexualidade é abordada de maneira singular também aqui nesse Canções de Baal...

Um comentário:

  1. DOIDO maiúsculo para ver!

    E o comentário machista até que soou... Errrrrr... Coerente! (kkkkk)

    Amo-te!

    WPC>

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