sexta-feira, 4 de março de 2011

"A gorda da cadeira"

Gorda como ela na rua não tinha. Gorda como a lua prata no céu. "A gorda da cadeira". Diziam assim dela, sentada, toda prostrada sobre a cadeira branca de plástico, à porta de casa. As pernas da cadeira já remendadas davam à imagem o toque do grotesco. Não sei como a cadeira aguentava. Mas ela era assim, igualzinha a Lua, gorda e solitária. Absorta, com a cara pra cima, brilhante, de tão oleosa. Os cabelos lisos e pretos, molhados de suor, se vertiam para dentro do imenso par de peitos. Houve um tempo em que eu até me masturbava pensando nela. Tenho tara por gordas. Hoje de manhã, a notícia da morte me deixou desgostoso. Seu Onofre, meu vizinho, me disse festejando que ela havia infartado durante a madrugada. Ali na rua nada acontece de diferente faz anos. Ninguém casa, ninguém morre. Só a notaram, disse o velho, às sete da matina. Ela acordava, tomava o café, ligava a vitrola e sentava à porta de sua casa, todos os dias, há mais de vinte anos. Sempre com um mini-short de seda vermelho e uma blusa de malha branca. Encardida, com as banhas a lhe escapar pelos buracos. Ninguém reclamava e também ninguém entendia. Só a notavam quando precisavam passar pela calçada. Ela atrapalhava a passagem dos transeuntes, toda imensa e espraiada na cadeira. Não sei se mais alguém lembra, mas eu lembro que ela não havia sido sempre assim. Eu lembro porque eu notava a Sônia, eu sempre a notei. Ela não notava ninguém.

Nenhum comentário:

Postar um comentário