Começou ontem e vai até 19 de Fevereiro. Os professores das escolas Luso-Chinesas estão das 9h às 17h45 fechados nos estabelecimentos de ensino, sem alunos, aulas, trabalho ou um bar aberto para comer. Apenas para picar o ponto. “Os sofás foram muito usados, a Internet também, conversou-se, leu-se o jornal”, dizem ao PONTO FINAL. A classe “está de castigo sem saber porquê” e os revoltados são “uma maioria” entre os portugueses. A queixa apresentada aos SAFP deve conhecer resposta em breve.
Hélder Beja
São quase 9h e a fila com largas dezenas de funcionários públicos acumula-se à entrada de uma das escolas luso-chinesas de Macau. Não é apenas o pessoal de secretariado e manutenção que, como de costume, regista a entrada com cartão magnético: os professores estão todos na fila. Foi assim que começou o primeiro dia em que os docentes das secundárias luso-chinesas da RAEM foram obrigados a “picar o ponto”. A descrição é feita ao PONTO FINAL por fonte do grupo de professores que apresentou queixa junto dos Serviços para a Administração e Função Pública (SAFP), depois de conhecer a decisão da Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ), cuja ordem de serviço foi divulgada por este jornal na semana passada.
“[Os organismos implicados] já perceberam que somos portugueses, daí que as notícias só estão a sair em português. Estão muito divididos e, a não ser que já tenham posto os telemóveis sob escuta, não conseguem perceber de que escola é este grupo”, refere um dos membros dos “unhappy teachers”, grupo que contesta as medidas da DSEJ. “Somos das duas escolas e com isso é que não contam. Somos um grupo de portugueses e professores de longa data e somos uma maioria, não a minoria”, prossegue.
No período sem aulas do Ano Novo Chinês, os professores das Luso-Chinesas tiveram de comparecer à chamada, mesmo depois de terem trabalhado o fim-de-semana. “É completamente surrealista o que aconteceu, porque na semana passada tivemos o nosso horário das 25 horas super carregado com vigilâncias, a fazer provas e a corrigi-las. Houve quem corrigisse quase 200 testes este fim-de-semana. Esta segunda-feira tínhamos de lançar as notas todas – e já houve colegas a ter reuniões às 9h, houve quem não dormisse para estar a lançar as notas. E, depois disto, vamos ficar até sexta-feira a ‘picar o ponto’”.
Ontem foi assim. Os professores foram às reuniões que tinham agendadas, cada uma com duração de “30 a 45 minutos”. Depois disso, os sofás foram muito usados, passeou-se na Internet, conversou-se, leu-se o jornal. “Neste momento estamos na escola sem o mínimo de condições”, denuncia. “Não há bar, não há café, não há rigorosamente nada. Porque se não há alunos não há comida. Quem fuma, é proibido fumar dentro da escola e não se pode sair para fumar. Vá lá que ainda se pode ir à casa de banho.”
Cores de protesto
Na interpretação destes professores, a decisão da DSEJ “consiste em aplicar aos seus docentes, em simultâneo, durante o ano lectivo, dois estatutos, designadamente o Estatuto do Pessoal Docente e o Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM)”. No texto enviado às redacções dias atrás – e que sintetiza as linhas da queixa feita junto dos SAFP – o anonimato é justificado pelo facto de, “como é do domínio público, todos os professores chineses e portugueses terem medo das inúmeras represálias, facilmente accionadas pelos directores ‘vitalícios’ das escolas da DSEJ”.
Dar a cara ou o nome está fora de questão. O protesto ganha outras formas, como por exemplo as cores das roupas através das quais ‘comunicam’ os professores descontentes. “As pessoas têm medo mas há códigos, há roupa preta, roxa e branca. E depois há os que não se metem de modo algum. Se for para receber, todos querem receber. Mas comprometer-se ou dar sinais de luta, isso não.”
O membro dos auto-intitulados “unhappy teachers” garante que os docentes estavam “mais que avisados” e lembra que “os chineses já estavam a cumprir esta aberração há muito tempo, não obviamente o tempo todo, ao minuto, mas no Natal já houve muitos professores chineses de castigo, nesta mesma situação”.
O que vai acontecer depois de 19 de Fevereiro, data em que termina o período de férias dos alunos, ninguém sabe. “Um coisa é certa: se começámos a picar o ponto é para picar até ao final do ano lectivo. E que façam contas, porque só podemos admitir que, ou vamos receber horas extraordinárias, ou vamos receber compensação em dias. É um abuso o que está a acontecer.”
À espera de resposta dos SAFP
O ar condicionado e as ventoinhas são do governo, a luz também, o papel, o tonner, as fotocópias da escola. “Há colegas chineses que dizem que para eles isto é um ganho, porque obviamente está tudo a tratar de coisas pessoais”, refere a mesma fonte. Estes professores, no entanto, sentem que estão a ser castigados. “Gostávamos era de saber que castigo é este, porque já somos mal pagos. O funcionário público, de dois em dois anos, sobe de escalão. Um professor leva cinco anos para subir um escalão.” E faz ainda uma denúncia: “Há técnicos superiores a ganhar mais e a trabalharem como professores nas escolas.”
Em resposta ao protesto feito pelo grupo de docentes. a DSEJ fez saber que “um professor de uma escola oficial também é funcionário público”. O membro dos “unhappy teachers” reage: ” Obviamente que somos funcionários públicos. Mas está previsto no Estatuto do Professor que, no tempo de interrupção de aulas, compete à direcção da escola distribuir trabalho. E a distribuição foi feita. Mas se tenho reunião às 16h vou ter de passar o dia todo na escola. Isto é uma injustiça. Porque é que eu no sábado e no domingo não fui funcionário público? E na segunda-feira já sou?”
Os contestatários vão obedecer e permanecer na escola sete horas e 15 minutos por dia. Mantêm “a esperança vaga de que os SAFP consigam sensibilizar a DSEJ. Falhada essa hipótese, “restará o tribunal”. E em tribunal é preciso dar a cara. “Aquilo que sei é que a resposta [à queixa apresentada] já está com o doutor [José] Chu”, director dos SAFP, disse a mesma fonte ouvida pelo PONTO FINAL. “Divagando, acho que Sou Chio Fai [director dos Serviços de Educação e Juventude] vai saber a resposta antes de nós.”