quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Cachorro morto não se chuta ou é melhor um pássaro nas mãos do que dois voando (esse é politicamente incorreto e contra a liberdade, né?)

Numa das primeiras postagens desse blog, eu coloquei o "Poema em linha reta" como o poema de minha vida. É um poema que, grosso modo, fala de como é viver entre pessoas imbatíveis sendo um derrotado.  Ultimamente, tenho observado que se pode fazer um mal uso desse poema. Pessoas vaidosas podem usá-lo como "olha só, eu sou simples, humilde, derrotado" e vocês outros são "os dominates, os filhas-da-puta" etc.
Aprendi a duras penas que quando a gente muito se vitimiza, muito tende a fechar os olhos para as dores alheias.
Eu já não me vitimizo mais tanto assim. Apesar dar dores, apesar das pancadas, apesar das rasteiras, apesar dos pesares.
E tenho aprendido e sempre e cada vez mais com a vida e sei bem que nunca vou parar de aprender. Pois viver é isso: é supresa por cima de surpresa, aprendizagem por cima de aprendizagem...
Gosto imensamente dos ditados populares e digo sempre que "Desculpa foi feita para se pedir", "Há sempre uma porta mais baixa que o nosso corpo e para passá-la, a gente tem que se abaixar" e que "Não sou rainha para manter palavra (esse é sacaninha): se for preciso voltar atrás, eu volto". E concordo com todos eles, mas algo é fundamental para fazer valer essas sabedorias populares: a danada da razão ou do sentimento de posse em relação à razão.
Dizem que numa briga há três versões: a de uma das partes, a da outra das partes e a correta. Isso é uma brincadeira popular, mas bem que faz sentido. E, para não fugir dos ditados populares: ""Razão é bom e todo mundo quer".
Eu não sou diferente de todo mundo e muitas vezes uero mesmo ter razão. Mas, bem sei de quantas portas baixas encontrei pelo caminho e de quantas vezes voltei atrás. Não me importa isso. Mas, sou inflexível quando sinto não a falta de razão, mas a falta de justiça.

Por isso, eu retomo Álvaro de Campos agora, apesar de ele não ser meu heterônimo favorito, foi ele quem disse muito de mim quando escreveu este poema:

"Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.


E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.


Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...


Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,


Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?


Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?


Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza".

Quanto a mim, falo o que Clarice escreveu quanto à escrever: "mais vale um cachorro morto".

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