quarta-feira, 7 de julho de 2010

Mnemosine

Estou a estudar a Memória. Na verdade, estou tentado, a duras penas, compreender o livro Matéria e Memória, de Henri Bergson.
Livro que considero bonito. Leio passagens que dizem poeticamente do tempo, da duração, das imagens, da intuição.
Sua filosofia surgiu do fato de ele ter-se posicionado contrariamente ao acento cientificista do positivismo que se desenvolveu nos séculos XIX e XX.
A noções de que passado, presente e futuro formam um uníssono, de que um necessita do outro para ser duração e, assim, duração não ser um momento estático, mas sim ser movimento, mudança, contingência. Mudar, aqui, querendo dizer devir, significando que nunca nada é idêntico a si mesmo e que tudo se transforma constantemente em algo distante de si.
Não sei se estou compreendendo de maneira correta... São as primeiras leituras, é a fase do tatear um texto, de desvendar conceitos...
Mas, também é só a primeira fase de um longo trabalho. Outros textos para fazer exegese. Outros autores para eu adentrar no mesmo processo de desvendamento, de luta, corpo-a-corpo...
Bergson, Paul Ricoeur, Maurice Halbwachs, Pierre Nora, Ecléa Bosi e tantos outros, agora, em minha cabeceira, em minhas anotações, em minha vida, organizando conceitos, solidificando-os, fragmentando-os... Como se não me bastassem os pensamentos, as lembranças sempre presententes desde sempre, a minha ligação com o rio de frente à minha janela da infância, rio dos banhos proibidos, mas nunca das memórias esquecidas.
Rio com nome de santo. São Francisco. O velho Chico de minha vida. Banhar-me naquele rio era subversão para uma mãe que perdera o irmão para as águas bravias de um outro rio. Mas, rio é rio. E as águas enganam. Carregam.
E era justamente isso. O carregamento o que me encantava. O devir. O fluir das águas. Quantas vezes o vi, ao velho chico, carregar pedaços de árvores, em suas enchentes, as águas barrentas significavam isso. Para mim, criança ouvindo tudo que falavam os adultos, para mim era o rio prenho. Ouvira que estar prenha era carregar memino dentro da barriga.
O rio que era a natureza, carregava coisas da natureza dentro dele. A barriga era a correnteza. Exposicão.
Quando vim-me embora, o rio ficou. Ficou dentro de mim. Pregado em meus olhos. Olhos que nunca mais amanheceram e o olharam. A ele e à árvore querida defronte da janela dos acordares.
São tantas as lembranças, as imagens... São tantos os rios dentro de mim.
E agora a memória virou o meu tema.
Conceituada memória.
Que eu nunca a torne acadêmica no sentido ruim.

Trabalhando memória insistentemente como venho fazendo, pus-me, muito mais fortemente a lembrar-me das pessoas que por minha vida passaram.
Lembrei-me de três queridas amigas de infância. Busquei-as em meio eletrônico. Encontrei-as. Enviei-lhes mensagens.
Recebi notícia de uma delas, a mais íntima, por sinal, instantaneamente. E-mail, MSN, orkut, Sonico, Facebook.
Tem uma loja de vidros. Hoje.
Achei bonito isso de trabalhar com vidros. Vidro é transparência. Reflexo. Iluminura.
Adicionei-a.
Vou esperar contato.
Talvez esteja esperando contato comigo mesma. Pois, que ando perdida por esses tantos rios.
E, hoje, nós não somos as mesmas, não é mesmo?
mas, como me lembro do quintal da casa dela. Do caminho que eu fazia de minha casa para a casa dela. Sempre para dividir um segredo.
Lembro-me de tanta coisa!
Como eu era uma criança e uma pré-adolescente estranha já.

lembro-me, agora, nesse instante-já, de um outro amigo. Mais recente. Por quem nutro carinho especial també. Ele é do Maranhão. Enquanto esteve aqui, quando fomos para o mangue, em passeio integrador com a mãe-natureza ( a diamba por lá era muito mais diamba, os cheiros no mangue muito mais adocicados por conta da diamba) e depois tomamos banho de rio e de mar, na ordem inversa, lembro-me de que ele me falou que tomar banho de rio e de mar era necessário para que tirássemos a "coíra". Coíra era a "carraspana " falada por minha mãe de influências pernambucanas.

Queria, agora, ter nove anos de idade. Qual era mesmo a idade que eu tinha quando presenciei a maior enchente (da minha vida) do rio São Francisco?
Eu era miúda. Mas, não tanto. Pegávamos piabinha de mão. Molhando a farda da escola. As amigas desse tempo não eram essas de agora. Eram Carlinha, Melissa...não lembro o nome das outras. Lembro-me de nossas risadas, de nossa aventura na enchente e dos senmões que cada uma de nós levou de nossas mães.
A minha, viva à época, tinha sempre seus grandes olhos verdes em cima de mim. Por horas eram amorosos, mas outras, eram furiosos. Igual a esse dia e a um outro (a história do vestido azul) que conto numa outra oportunidade.

Queria lavar-me nesse rio. O da minha memória. Para tirar coíra, para me livrar das carraspanas.
Já é hora. Eu sei.

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