quarta-feira, 30 de março de 2011

Um dos trechos mais lindos de livros...

À contemporaneidade do “envelhecer junto”, eles [os próximos] acrescentam uma nota especial referente aos dois “acontecimentos” que limitam uma vida humana, o nascimento e a morte. O primeiro escapa à minha memória, o segundo barra os meus projetos. E ambos interessam à sociedade apenas em razão do estado civil e do ponto e vista demográfico da substituição das gerações. Contudo, ambos importaram ou vão importar para meus próximos. Alguns poderão lamentar a minha morte. Entretanto, antes, alguns puderam se alegrar com meu nascimento e celebrar , naquela ocasião, o milagre da natalidade, e a doação do nome pelo qual, a partir de então e durante toda aminha vida, designarei a mim mesmo. Entrementes, meus próximos são aqueles que me aprovam por existir e cuja existência aprovo na reciprocidade e na igualdade da estima. A aprovação mútua exprime a partilha da afirmação que cada um faz de seus poderes e de seus não-poderes, o que chamo de atestação em Si mesmo como um outro. O que espero dos meus próximos é, que aprovem o que atesto: que posso falar, agir, narrar, imputar a mim mesmo a responsabilidade de minhas ações. Aqui, mais uma vez, Santo Agostinho é o mestre. Leio no décimo Livro das Confissões: “Espero essa conduta da alma fraterna (animus [...] fraternus) e não da estrangeira, não dos ‘filhos de uma outra raça cuja boca proferiu a vaidade e cuja direita é uma direita de iniqüidade’, mas a alma fraterna, a que ao me aprovar (qui cum approbat) se alegra comigo e ao me desaprovar se entristece comigo; pois que, quer me aprove ou me desaprove, ela me ama. Eu me revelarei (indicabo me) a pessoas como essas” (Confissões, X, IV, 5). Por minha parte, incluo entre meus próximos os que desaprovam minhas ações, mas não minha existência. (RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento, pgs. 141-2)

2 comentários:

  1. Este autor começa a rondar meu espaço literário. Há sempre alguém que fala sobre ele. E vindo de vossa pessoa, é realmente algo de se ler. Diga-se passagem: a bela passagem que postou!

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  2. realmente muito pessoal, né galega, mais ainda quando cita o belo Agostinho....

    beijos

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