quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Uma história comum


Durante o dia, sob o sol e o barulho anônimo de pessoas outras pelas ruas, nos transportes coletivos, no trânsito, nos escritórios, nas lanchonetes e em praças e por todos os lugares da cidade, ela vivia muito bem. Disfarçava seus medos e sua solidão em pequenos cuidados e era, assim, uma pessoa atenta e prática.
À noite, trancada em seu minúsculo apartamento, sentia o peso de tudo aquilo que ela esquecera sob o sol. A lua, fosse minguante ou cheia a enlouquecer também a sua cabeça, a lua trazia o mais fundo dela para a pele. Ali, na beira de si, ela não sabia o que fazer com ela mesma.
Ouvia música, lia, tomava vinho, telefonava. Mas, a lua estava ali, ameaçadora e espelho. O espelho do de dentro.
Masturbava-se e se sentia triste quando deixava a porta entreaberta e o zelador, pontual, vinha a espreitar-lhe. Entrestecia de uma tristeza estranha porque fora ela quem começara o jogo exibicionista.
No outro dia, pela manhã, olhava-o e nada sentia: vazia. Era como se ela fosse só o líquido gozo e ele a tivesse sugado para dentro dele com o olhar apenas. Ele a bebera de longe, sugara o seu mel e o seu leite. A ferida sarava no quente da manhã, no quente do dia. O sol. E ciclicamente a lua. Sol. Lua. Solidão. O mel. A ferida. A repetição e o fim. Em sua lápide, palavras que nada diziam sobre ela, verdadeiramente.

Um comentário:

  1. Nina, eu realmente fico emocionada com os seus escritos. Esse me tocou profundamente. Vc é muito grande e eu tenho orgulho de ser sua amiga.

    Bjos

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