domingo, 5 de dezembro de 2010

O escracho da poesia de Cazuza



Outro dia conversava com um amigo que disse não gostar da poesia de Cazuza. E disse que não gostava porque era uma poesia muito escrachada. Disse a ele que eu gostava. E que eu gostava justamente por ser uma poesia assim: escrachada. Meu amigo falou que jamais escreveria (se escrevesse) algo do tipo "sua piscina está cheia de ratos". E eu me lembrei de como foi importante cantar "dias sim, dias não/eu vou sobrevivendo sem um arranhão/da caridade de quem me detesta" em minha adolescência (a saber: o ápice de minha "revolta" era sentir isso que rola na música, quando discutia com minha mãe e achava que era assim que eu ia vivendo dia sim e dia não... Deus salve as mães! (risos de quem sabe que se um dia parir vai ter que lidar com moleque (ou moleca) se descobrindo, necessitando estar apartado de mim como uma forma de se reconhecer, para depois, enfim, saber que somos e temos, tantas vezes, tanto em comum...).
É justamente esse escracho de Cazuza que me cativa e fisga. Figuras como "Cansada com minhas meias três-quartos/rezando baixo pelos cantos/por ser uma menina má", "Mas ficou tudo fora de lugar/café sem açúcar, dança sem par/você podia ao menos me contar/uma história romântica" e "Confundo as tuas coxas com as de outras moças/te mostro toda a dor/te faço um filho/te dou outra vida pra te mostrar quem sou" são figuras escrachadas, explícitas, "exageradas" como um título de música sua, mas me rasgam. Se não me rasgam musicalmente (no que concerne a arranjos, melodia, técnicas, essas coisas das quais não entendo muito, mas que são mesmo primordiais), me rasgam no que diz respeito às letras. E já cheguei a pensar que é muito massa ser de um país onde temos um Cartola, um Noel Rosa, um Lupicínio Rodrigues, um Raul Seixas, um Chico Buarque, um Caetano Veloso e um Cazuza! E foi ele quem escreveu uma música que me serviu para acordar para a vida, quando eu era muito mais sonhadora do que de ir à luta. Aprendi a não ficar quieta, esperando e me sentindo mau com o mundo (e muitas vezes de mal com o mundo) ao ouvi-la algumas vezes em algumas situações (a saber: especialmente quando mudei de uma cidade do interior para Aracaju: não conhecia ninguém, achava estranho estar trancada dentro de casa, achava chato a impessoalidade das pessoas, sentia falta de um bocado de coisa, de pessoas, de lugares, de situações, de ações...sem saber que eu podia sim ressignificar tudo ao invés de ficar com cara de abortada esperando alguém que coubesse em meu mundo). Talvez eu faça uso meio auto-ajuda das coisas, meio terapêutico. Ou talvez só pareça assim pelo jeito que falo das coisas (livros, músicas), mas o fato é que, para minha adolescência, ouvir Cazuza, foi essencial. E foi essencial porque era tudo assim: escrachado.

P.S: mas, essa é a minha experiência com a poesia de Cazuza. Não houve discussão qualquer entre a gente sobre o assunto. Até porque cada um gosta e vive experiências com as coisas de maneira subjetiva. Só decidi escrever um post sobre algo e pronto. Mas, acho que ele sabe. Talvez não precisasse essa ressalva. Mas, vou deixá-la.

2 comentários:

  1. Olá Nina, não estranha eu estar aqui comentando, sou leitor assíduo do blog, mesmo sem nunca aparecer-lhes (rs...).
    Interessante este texto sobre o Cazuza, imagino o que vc deve ter passado, pois lhe conheci antes da mudança e agora (através de seus textos). Sexta-feira passada estava viajando com Tiago e escutávamos exatamente um cd de Cazuza e conversávamos sobre esse escrachado pequeno burgues. Genial!
    Um Abraço!

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  2. Pois é! Nos conhecemos antes de eu mudar para cá. Verdade! Rone, você, eu, Giselle, Lísia...Minhas "brigas" com a matemática...risos! Que bom tê-lo aqui. E acho mesmo genial esse pequeno burguês que escrachou o mal cheiro da burguesia também, né?Abraços!

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