segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

AS BACANTES


É bom que seja assim, Dionisio, que não venhas.
Voz e vento apenas
Das coisas do lá fora

E sozinha supor
Que se estivesses dentro

Essa voz importante e esse vento
Das ramagens de fora

Eu jamais ouviria. Atento
Meu ouvido escutaria
O sumo do teu canto. Que não venhas, Dionísio.
Porque é melhor sonhar tua rudeza
E sorver reconquista a cada noite
Pensando: amanhã sim, virá.
E o tempo de amanhã será riqueza:
A cada noite, eu Ariana, preparando
Aroma e corpo. E o verso a cada noite
Se fazendo de tua sábia ausência.

(Hilda Hilst)



Desejo. Ausências. Corpos. Aromas. O vinho. O dionisíaco. Porque Hilda fica assim: pulsando em minha cabeça. Meu corpo-sensação se pergunta a todo momento: aconteceu ou sou uma ficcionista? Antes, sonhava que a música me excitava a ponto de me masturbar com o som. Eu era amante, assim, da música. Uma amante clássica. E é por isso que Ariana, assim aroma, assim corpo, assim bacante, assim tambor, me faz pensar: aconteceu ou sou uma ficcionista?

O meu corpo, eu o sentia corpo de Dionísio. Era a tatuagem dele o ponto de referência do meu olhar. Eu não queria significados. Mas, perguntei, como um tempo a mais para tocá-la e para tocá-lo. Para sentir o relevo da pele em desenho. Proximidade. Nunca pensei no siginifcado de tal palavra. Eu que me denomino sacerdotisa de Baco e, portanto, consagrada aos mistérios desse deus. Os mistérios. Os mistérios e seus significados guardados, velados. Eu, naquele momento de toque, queria era apenas tocar e nada mais. Tocar para sentir. Lamber para saber o gosto. O vinho respirava vivo por entre as veias. Dionísio em mim, Ariana, a preparar o corpo desde quando? Eu não o preparara, ao menos, não que eu assim soubesse. Mas, Pessoa falava, através de Caeiro, que "basta existir para ser completo". O gosto-lembrança não era de completude. Era de loucura inacabada. Bêbedo. Quando um personagem de Nelson Rodrigues falou assim "bêbedo" numa película de Jabor, eu ouvi platéias sorrirem. Mas, eu, Ariana, sabia. Aquela palavra não era para os risos. Era para o gozo. E o gozo, o gozo viria sem vinho, sem bebedeiras. Bêbedo uma vez, era necessário a rudeza da sanidade. Para o gozo, completo da existência pessoana: estar são. Antes, tudo vira sonho ou um não-saber-e-só-sentir-que-se-sabe-que-alguma-coisa-aconteceu. Nem toda existência, assim, Ariana, é completa, é isso o que dizes? Sim, responderia, eu, Ariana. Há aquelas exitências que são insanas. E para tanto, para não mais arder e arder: sábias são todas as ausências, Dionísio.

E, por isso, eu preparo aroma e corpo e festa e, ardendo, sozinha suponho coisas e pensamentos e repito para mim: é bom que seja assim, que não venhas, Dionísio.

P.S.: texto inspirado no poema de Hilda Hilst e nas idéias e adaptações de Zé Celso e no sempre Dionísio, deus amado e querido e sempre ovacionado aqui.

4 comentários:

  1. Inda bem que não sou eu e sim um narrador ou narradora, um eu lírico, seja lá o que for, essa que fala no post. Porque só me faltava essa: me masturbar com lâmina! Deixa isso para a Hilda (não a Hilst, claro, mas a do texto) ou para a Ariana. No máximo para o Dionísio! kkkkkkkkkk! Vc está danadamente mórbido!

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  2. Estou é danadamete vivo!
    ei vc tá em casa agora?

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