quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Rua de mão única

Gosto muito de Walter Benjamin.
Não é por pimbice não (risos). É mesmo por me sentir inapta tantas vezes a compreender quem escreve muito difícil. E Benjamin nao escreve difícil (ao menos sempre). Rua de mão unica, por exemplo, trás uma escritura leve, brincalhona, erótica, porque trata de coisas tão cotidianas, tão perto de nós de maneira táctil ou a apertar o botãozinho mais emotivo para mim que é o da memória. A relação que o moço traz com os livros é assim:

I. Livros e putas podem-se levar para a cama.
II. Livros e putas entrecruzam o tempo. Dominam a noite como o dia e o dia como a noite.
III. Ao ver livros e putas ninguém diz que os minutos lhes são preciosos. Mas, quems e deixa envolver mais de perto com eles, só então nota com têm pressa. Fazem contas, enquanto afundamos neles.
IV. Livros e putas têm entre si, desde sempre, um amor infeliz.
V. Livros e putas - cada um deles tem sua espécie de homens que vivem deles e os atormentam. os livros, os críticos.
VI. Livros e putas em casas públicas - para estudantes.
VII. Livros e putas - raramente vê seu fim alguém que os possuiu. Costumam desaparecer antes de perecer.
VIII. Livros e putas contam tão de bom grado e tão mentirosamente como se tornam o que são. Na verdade eles próprios nem o notam. Anos a fio alguém vais e entregando a tudo "por amor" e um dia está lá como corpus bem corpóreo, na ronda das calçadas, aquilo que 'para fins de estudo" sempre pairava somente acima delas.
IX. Livros e putas gostam de voltar as costas quandos e expõem.
X. Livros e putas remoçam muito.
XI. Livros eputas - "Velha beata - jovem devassa".
XII. Livros e putas trazem suas rixas diante das pessoas.
XIII. Livros e putas - notas de rodapé são para uns o que são, para as outras, notas de dinheiro na meia.

Dá para falar que essa pessoa não se relaciona com os livros de maneira erótica, sensual?
E isso me fascina, me faz saber das coisas. Porque simples, porque táctil. Ora, para um intelectual falar de livros: tudo bem. Mas, falar de putas e de forma poética, assim... Não, não é um estudo antropológico sobre prostituição. É uma relação. Bonita, feia, bruta, de poder, de igualdade, de necessidade, de amor... Uma relação. Assim como a com os livros.

Esse texto (Livros e Putas) se intitula "N. 13", a saber.
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E um outro texto desse mesmo livro (Rua de mão única) com o nome de "Estas plantas são recomendadas à proteção do público"traz algo que me fascina:

"Quem ama não se apega somente aos "defeitos"da amada, não somente aos tiques e fraquezas de uma mulher; a ele, rugas no rosto e manchas hepáticas, rospas gastas e um andar tortoprendem muito mais duradoura e inexoravelmente que toda beleza. Há muito tempo se notou isso. E por quê? Se é verdadeira a teoria de que a sensaçãonãos e aninha na cabeça, que não sentimos uma janela, uma nuvem, uma árvore no cérebro, mas sim naquele lugar onde as vemos, assim também, no olhar para a amada,e stamos fora de nós. Aqui, porém, atormentadamente tensos e arrebatados. Ofuscada, a sensação esvoaça como um bando de pássaros no esplendor da mulher. E, assim, como os pássaros buscam proteção nos folhosos esconderijos das árvores, refugiam-se nas sensações sombrias rugas, nos gestos desgraciosos e nas mdoestas máculas do corpo amado, onde se acocoram em segurança, no esconderijo. E nenhum passante advinha que exatamente aqui, no imperfeito, censurável, aninha-se a emoção amorosa, rápida como uma seta, do adorador".

Ai como gosto de ver o amor assim. E a beleza idem. Essa coisa táctil e verdadeira, que vai acontecendo, amadurecendo...O corpo é isso. Mas, não deixa de ser belo, desejável, poema e erotismo.

Para fechar a minha declaração de amor (e não de pimbice - mais risos) a Walter Benjamin e a seu Rua de mão única, deixo a dedicatória que ele fez do livro à sua amada italiana:

"Esta rua chama-se Rua Asja Lacis, em homenagem àquela que, na qualidade de engenheiro, a rasgou dentro do autor".

Um comentário:

  1. eu adoro walter benjamin...
    e este texto é lindo... e eu acho que sou puta..

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