domingo, 23 de maio de 2010

A carne é fraca ou o homem é opressor?

A pousada onde eu e o resto da equipe que trabalhou esse fim de semana em Nossa Senhora da Glória nos hospedamos ficava bem do lado de um mercado municipal. Quando estava saindo da pousada, dei de um cara com uma cena a la Claudio Assis. Um homem suado e forte carregava nas costas praticamente um cadáver inteiro de um boi e conduzia para dentro do mercado escuro e fétido onde ele lançava a carne sobre mesas sujas.

Um repórter comentou que aquilo era um atentado à saúde pública. A partir de então ele não comeu carne mais enquanto estava em Glória. E eu me lembrei que um dia eu já fui vegetariana.

Depois do trabalho, ao retornar à pousada, eu vi o mercado, que antes estava vazio, repleto de cadáveres de boi. Tudo aquilo era o não-visto por mim. Explico.

Voltei a comer carne não porque ser vegetariana não faça mais sentido pra mim. Como carne simplesmente porque hoje em dia não vejo mais o bicho morto no pedaço de carne suculento. Antes, assim que eu botava os olhos numa lasanha de frango, eu via o frango todinho que foi criado em locais com super população de bichos num pequeno recinto. Hoje é apenas uma lasanha de frango muito gostosa.

Tudo isso porque o lado feio da matança de animais não-humanos não é visível para a grande maioria das pessoas. Por isso eles se tornam coisas, comida.

O que também me levou a comer carne foi o fato de não conseguir ser vegan. É que pra mim não existe muita diferença entre ser ovolactovegetariana e comer carne. Não em termos éticos. Só que ser vegan não é nada fácil. Não porque a culinária que nos foi imposta culturalmente seja superior à culinária vegana, mas tão somente porque a sensação é de que você está contra o mundo inteiro quando vai comer em restaurantes e até na sua própria casa.

Diferente da maioria dos vegetarianos, eu não discordo da prática de matar animais. Matar para comer, na minha visão, não é algo ruim. Os animais não-humanos matam pra comer. O problema pra mim não está aí, e sim no modo como os homens matam os outros animais.

Alguns diriam: nós fazemos parte da cadeia alimentar. Mas nós não estamos na cadeia, e sim acima dela, através do poder exercido pela tecnologia. Estamos acima não por sermos superiores, mas porque construímos um ambiente criado e controlamos e destruímos o meio ambiente com o poder da técnica. O problema para mim não é "matar", não é essa violência, mas outra forma de violência, aquela promovida pelo capitalismo. Nem eu nem você nunca precisamos brigar com bicho nenhum e matá-lo para comer. Basta ir ao supermercado.

O sistema capitalista fetichiza tudo. E tudo se torna mercadoria. As mercadorias, produzidas em série e para proporcionar o maior lucro possível, seguem uma determinada lógica. E a lógica da produção de carne é, como a de qualquer outro produto, a lógica da produção de mercadorias. É por isso que para produzir o máximo de leite com o objetivo de oferecer o maior lucro possível para a indústria, uma vaca ingere uma quantidade absurda de produtos químicos para aumentar enormemente o tanto de leite que ela produz. O leite que o fetiche esconde atrás da bonita caixa de leite com uma simpática vaquinha na embalagem.

É por isso que uma determinada turma de um curso da nossa querida Universidade Federal de Sergipe teve a brilhante ideia de dar choques elétricos num caranguejo para tornar a sua carne mais suculenta. É por isso para aqueles que têm um paladar refinado e degustam a maravilhosa carne de vitela, os bebês de boi devem ser afastados da mãe e confinados em pequenos currais individuais, e são mantidos presos, com as patas amarradas, pois a indústria precisa evitar a atividade muscular deles para que sua carne fique branquinha, refinada ao gosto dos bons apreciadores. Eles também são submetidos a uma dieta com alimentação sem ferro, pois precisam ficar fracos, repito, para que a carne no prato do degustador esteja branquinha. A carne de vitela é produto da indústria do leite, que não precisa do boi.

Mas se você for ao shopping vai encontrar um restaurante chamado Baby beef totalmente luxuoso, com elevados preços, e belos pratos dispostos para os olhos dos passantes. Você não VÊ nada do sofrimento do bebê do boi.

É por isso que o grande problema talvez seja o da visibilidade. E seja isso que tenha me levado a comer carne novamente. Agora acho que devo repensar as minhas práticas e radicalizar de vez. Vamos ver se minha fraqueza permite.

22 comentários:

  1. Acho que minhas discordâncias em relação a teu ponto de vista se tornariam precipitadamente acusatórias se enumeradas agora, mas acho a associação entre a "indústria do leite" e a carne de vitela muito oportunista, no sentido propagandista do termo... Talvez a fraqueza confessada na última linha a leve a repetir um discursinho rebatedor manjado de militante, o que não faz jus a qualquer julgamento moral de minha parte, mas apenas a uma concordância, sim, de que VISIBILIDADE é um problema - por mais que pose de solução em situações ainda tão drásticas como esta!

    Não sei - definitivamente, não sei - o que é deixar de ser uma coisa, ser outra e, de repente, voltar a ser o que não queria ser antes, mas não cogito sequer a possibilidade de voltar a comer carne (morta por mim ou não, justificadamente ou não, suculenta ou não) e acho que este tipo de movimento (tenho que dizer: REGRESSIVO) deve mesmo te deixar em crise, mas... Vou frisar no que é relevante: " Agora acho que devo repensar as minhas práticas e radicalizar de vez". Faço minhas as tuas palavras, neste sentido!

    Acho que o debate ainda vai render muito...

    WPC>

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  2. Ah, sim: quanto ao fato de "achar que se está contra o mundo todo quando vai comer em restaurantes ou na própria casa", talvez seja hora de repensar sobre qual mundo tu és favorável...

    E, para além de qualquer outro ponto de vista que tu tenhas externado aqui, este argumento é patético e vergonhoso, assumidamente fraco, irreflexivo, precipitado e ainda mais oportunista do que a reprodução discursiva de esquerda ou de direita... Cuidado com a generalização... Estar CONTRA é algo que vem muito mais de dentro de nós mesmos do que quem está ao nosso redor! Se tu achas que, ao fazer o que tu "fazias", o mundo estava contra ti, o mundo realmente estará contra ti, não importa o que faças! "Mundo" é um conceito muito relativo e manipulável nesse tipo de situação...

    WPC>

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  3. E, sim, ainda sou "ovo-lacto-vegetariano" e acho que ainda tenho muito o que responder à Ética que viso apregoar... Por isso, repito: faço minhas as tuas palavras finais!

    E só!
    (por ora)

    WPC>

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  4. Wesley,
    não me importa se você acha que meu argumento é fraco e irreflexivo. não sei o quão válido ele é, mas é o que EU penso.
    aparentemente você acha que seus argumentos são os mais fortes e reflexivos, quando tantas vezes não passam de prolixos.

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  5. Como tentei dizer, juízo de valor não era necessariamente minha intenção... FRAQUEZA foi um termo utilizado por ti mesmo, o que, obviamente, não torna meu argumento forte ou coisa parecida... Defenda-se sem precisar me acusar, moça!

    Os teus argumentos são TEUS, os meus são MEUS e ambos são fracos. Ponto! A coisa não é tão maniqueísta como tu pretendeste nesta resposta...

    Quanto à prolixidade, é minha marca registrada sim, mas... Analise o tamanho do teu texto e tente se esquivar desta pecha também (risos)
    Não é uma contra-acusação: é pura análise factual!

    Mas deixemos que outros se manifestem, para que não pareça que o problema é contigo. Não O é! Que fique bem claro...

    Seja quem tu és...
    SER é bom!
    Ponto continuando.

    WPC>

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  6. é difícil se defender sem acusar diante de pessoas que entram numa discussão desmerecendo a fala dos outros, ao invés de se limitar a rebater os argumentos alheios.
    apesar de jornalista (motivo de chacota para muitos), não acredito em análises puramente factuais.
    e se voltar a comer carne foi uma regressão (não escondi no texto que era de fato), na minha franca opinião ser ovolactovegetariano não é uma grande evolução.
    é por isso que penso no veganismo como única opção. pra mim radicalismo é virtude.

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  7. PS: e o debate sobre o tema já vem se travando há tempos no 'blog' de vocês, via Jadson e Tiago... Tem uns textos lá atrás...

    Quanto a mim, esbocei umas linhas fracamente argumentativas aqui:

    http://gomorra69.blogspot.com/2010/05/vegetariano-por-que-nao-se-lo.html

    E, enquanto parecemos estar de lados contrários, a Sadia continua a estampar um peru sorridente nas embalagens de Chester...

    "Eles venceram e o sinal está fechado pra nós, que somos jovens", baby!

    Eu sei estrebuchar... Seria um começo?

    WPC>

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  8. Quanto a esta segunda contra-resposta, deixo a ti mesmo a reflexão...

    NÃO estamos em lados contrários.
    Discordo do que tu escreveste e, creio, que tenho espaço aqui para manifestar isso.

    Quanto à diferença entre REGRESSÃO e ESTAGNAÇÃO, bom, deixo ao teu Jornalismo a capacidade de rebater, visse? Se serve de consolo, faço Jornalismo também... Talvez esteja eu atrasado em relação a ti, mas... A gente vive, né? Basta! Tem quem morra...

    WPC>

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  9. ops , que papinho quente esse...

    Ja me posicionei quanto ao assunto basta dar uma olhada nos posteres mas antigos..

    Mas, vamos lá, ser ou não vegan? atingir a radicalidade vegana é se afastar por completo do mundo. vejamos: o ideal vegano é inatingível, pois, não dá para dizer que diante do sistema de produção em que estamos imersos podemos consumir qualquer coisa sem atingir uma animal não-humano ou mesmo humano de forma direta ou indireta. porém, um ideal é sempre algo inalcansável, pois somos todos corrupitiveis, ou seja, não podemos nos disvencilhar do tempo, não alcançamos portanto tal estatuto, o que em tese fazemos é materializar condições mas próximas possíveis de um ideal. um aspecto é que ser vegan implica achar sim problema em matar pra se alimentar, em qualquer contexto, num mundo capitalista, comunista ou mesmo sem um modo especifico de produção.
    Ja falei aqui antes do problema em não sabermos o que andamos comendo, vestindo, ou seja, de onde vêm e como vêm tudo aquilo o que consumimos, podemos escolher marcas e produtos que agridem menos o meio ambiente e os animais não-humanos e é isso um dos fatores que nos diferencia dos animais não-humanos,(mas não torna a nossa espécie melhor) a capacidade de escolher, de julgar, de deliberar. por isso podemos afirmar que devemos não comer carne, que não devemos matar pessoas,enfim que devemos escolher por ações em que o outro não seja totalmente esquecido.

    Jt.

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  10. Engraçada é a discussão entre pessoas que nunca cederão e que encontrarão sempre argumentos "melhores"...

    Mas, ao menos..., alguns começam a perceber as complexidades sociais.

    E OS DISCURSOS COMEÇAM A MUDAR... incorporados de elementos de discursos contra argumentados.
    Se não perceberam, EU percebi. E posso citar, PONTO A PONTO. Ao contrário de simplesmente dizer que o texto é "imbecil".

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  11. posso estar erradíssima, mas quando muitos vegetarianos me dizem que não devemos matar para comer porque somos RACIONAIS e podemos escolher não matar, isso me parece puritanismo humano.

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  12. E, nesse ponto abaixo, Tatiana, eu concordo - o que mais me irrita nalgusn discursos ditos "vegetarianos" é justamente a prosopopéia...

    Quando a narradora de A CARNE É FRACA começa a falar sobre a ternura maternal das porcas, eu agonizo!

    WPC>

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  13. "Purantismo humano"? Racionalidade? prosopopeia?
    bem, pelo que consta ninguém defende aqui o vegetarianismo ou algo que valha irracionalmente e se assim o for eu estou fora da discussão. irracional é continuar acreditando que podemos dizer coisas e mais coisas sem nenhum argumento no mínino! eu não defini o homem pela sua razão, mas a razão é um ponto importante a se considerar no "homem" e quando falo em capacidade de escolher é muito diferente do discurso apelativo e totalmente sem sentido presente em alguns momentos do filme citado, não ha pureza em ser racional, qual a relaçãao entre pureza humana e razão? o que é pureza humana? são dois conceitos que me parece impossivel de juntar, puro só adão no paraiso antes da queda no pecado! quando você diz que escolhe não comer carne é porque não tem razão alguma? e nesse caso a palavra fraqueza cai muito bem a ti moçinha, não come carne por sentimentalismos, ou seja, és fraca! e Tiago meu querido, acho que tu não me entendeu, todavia, faço outras considerações, defendo o veganismo sim!! o problema é que o ideal requerido é impossível, e eu nunca disse o contrário, contudo o ideal vegano posto é necessário em quanto movimento que impulsiona a uma postua minima ética. e so lembrando matar animais não é um problema requerido eticamente por ser um problema ambientalista. e outra coisa nunca desconsiderei a dimensão do meio-ambiente, são dois casos diferentes, porém se tocam! o veganismo é uma postura que defende a não utilização dos animais em qualquer estância de produção em qualquer momento da cadeia mercadológica. lógico que não vão alcançar todas elas, mais essa vai ser sempre a meta! o que é diferente (mas não num todo)de considerar o animal enquanto um ser com direito a vida. tal direito ja defendi em outro poster que intitulei de "Nazismo?".

    continuemos....

    JT

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  14. O meu comnetário não tem a ver com o teu, Jadão, mas com os pontos negativos do média-metragem citado na questão-título da postagem... É que um asepcto recorrente e negativo que me incomoda... Este primitivismo sensacionalista da defesa da vida... (WPC>)

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  15. Quanto à defesa necessária de um ideal inalcançável de antemão, sobreviver no contexto atual dominando pelo Capitalismo Tardio é isso mesmo... Por isso, aquele debate sobre quais concessões ainda suportaremos...

    WPC>

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  16. Ótimo (e engraçadíssimo) o incremento adâmico-discursivo... Buscar pureza é algo cada vez mais complicado... Por isto, esta minha subsunção que tu, Jadson, tanto me adverte acerca do pós-hiper-ultra-modenrismo!

    Continuemos, fazendo favor...


    WPC>

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  17. Sim Wesley, concordo contigo como apontei na resposta acima, mas os militantes apontam pra tudo que é lado, inclusive pro sentimentalismo sensacionalista, não entendi o por que concordava com os pontos de tati e vale frisar aqui uma coisa dita por WPC, estamos discordando sobre o que legitima ou não o ato de comer carne, contudo entendemos que matança animal é algo que desumaniza, é cruel e pros mais religiosos, demoniaco!
    Jt

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  18. Fazer concessões é um tanto cruel, mas você sabe melhor que eu e aprendo isso hodeirnamente! como a fábula biblica diz busquemos a ovelha perdida, uma só que sobreviva é de grande feito

    Ps: hoje eu estou quase um cristão!

    Jt

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  19. engraçado como toda hora minha fraqueza, que foi totalmente explicitada no texto, é posta em questão, como se fosse me afetar ser chamada de fraca, quando eu mesma me descrevi assim.
    fracos são também vocês, que ainda comem leite e ovos.

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  20. De fato, Jadson, quase um cristão, tanto que me fez lembrar daquele episódio pitoresco em que uma evangélica daqui do DAA disse que "a Bíblia determina que cada cada ser vivo sem a sua função no mundo. A de alguns animais é seevirem de alimento ao homem" (ok, imagina spó)

    WPC>

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  21. vale ressaltar que não disse que a função dos animais não-humanos é servir de alimento ao homem, mas que não vejo mal em matar pra comer. são coisas MUITO diferentes, visse?

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  22. Minha querida Tati, sabe o quanto gosto de você, e digo mais, que fico feliz quando anuncia sua vontade de se tornar vegan, vai em frente essa sua opção vai fazer do mundo um pouquinho menos cruel. e não quero lhe afetar negativamente, ao contrário, apesar de saber que em toda discussão rola a disputa de poder,(como diria salve salve, Foucault!) quero afetá-la positivamente aponto de voce entender um ponto de vista logicamente defensável.

    Jt

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