segunda-feira, 23 de maio de 2011

Copa sim, despejo não! ou Eu não sou daqui...

"...Porém, porque peço silêncio não creiam que vou morrer. Passa comigo o contrário, sucede que vou viver. Sucede que sou e que sigo. (...) Sucede que tanto vivi, que quero viver outro tanto. Nunca me senti tão sonoro, nunca tive tantos beijos. Agora, como sempre, é cedo. Voa a luz com suas abelhas. Me deixem só com o dia. Peço licença para nascer." ... (Pablo Neruda)

Já estou em Mariana/Ouro Preto desde o final de semana. Ouro Preto é uma cidade mágica. Suas ladeiras, seus morros, as casinhas, o verde, as cores (as muitas flores, todas tão lindas, oh, Deus, das mais vagabundinhas e pequerruchas de beira de caminhos às mais raras), as ruas que me lembram canções de ninar (ouço tanto em meus ouvidos quando por lá caminho aquela sempre canção...se essa rua, se essa rua fosse minha, eu mandava, eu mandava ladrilhar, com pedrinhas, com pedrinhas de brilhantes para o meu, para o meu amor passar...). Enfim, gosto das bandas de cá. E gosto dessa coisa de interior, de as pessoas serem solícitas como foi uma senhora chamada Vera que encontrei na rodoviária de Ouro Preto: me ajudou com as bagagens, conversou conversa mole comigo, me deu boas-vindas e disse onde morava para, no caso de eu me demorar por aqui, ir visitá-la. E o motorista do ônibus que, sem pressa, me deixou colocar as malas na frente, aguardou eu entrar e pagar e me sentar, para então colocar o carro em marcha...
Mas, vou viver essas cidades em seu dia-a-dia para ver o que rola, para sentir suas instabilidades, suas lutas diárias e aí sim falar mais sobre.
Digo tudo isso porque passei uma semana em BH e quando, ontem, me perguntaram o que achei de BH eu tinha respondido que gosto do clima meio cidade grande e meio interior que BH transpira. E falei a verdade. Lá é isso mesmo para mim.
Mas, quando fui dormir, sob um frio quase insuportável (já aqui em Mariana), vestida em duas calças, duas meias, com luvas, e quatro camisas (dois casacos, uma normal e outra de manga comprida) e ainda assim tremendo de frio. Ok, esquecemos eu e Maria uma janela aberta e isso foi o suficiente para eu imaginar que morreria congelada e a pensar como estariam as pessoas que não têm casa e que mesmo em albergues quase nunca estão suficientemente protegidas - esse pensamento não veio de um  sentimento de caridade cristã, mas de uma constatação política: eu passara, na semana anterior, todos os dias pela Vila Recanto UFMG, localizada na Av. Antonio Carlos. Nessa avenida, nessa vila, famílias e famílias estão sendo despejadas por conta das reformas das cidades que sediarão a Copa das Confederações em 2013 e a Copa do Mundo em 2014.
Eu cortava caminho justamente pela vila já sendo demolida. Restos de vidas ali entre montes de pedras, muita areia e transeuntes (geralmente universitários). Nas paredes, algumas pichações de reivindicação por justiça (ao menos nas indenizações).
Chamou a minha atenção repetidas vezes ter encontrado no fim da tarde uma moça jovem, sempre sentada numa cadeira quebrada (sem o encosto) com o olhar triste ou perdido, no meio de escombros. Pensei em fotografar todos os dias o ambiente que me parecia cada vez mais desolado, destruído, em ruínas. Porém, quando vi crianças (muitas) correndo, brincando, suas bonecas expostas na terra... Entendi que era invasão demais fotografar aquilo. Já era invasivo demais eu cortar caminho por ali, ver aquilo tudo e nada fazer...Presenciar as mudanças impostas e injustas das paisagens, das histórias, das memórias das pessoas...
As imagens foram fotografadas por minha cabeça que a tudo rememorou na noite de tanto frio de ontem. Pensei na moça sentada esperando sabe-se lá o que, nas crianças com suas bonecas quebradas e sujas de terra. Da terra que restava de suas casas. E me senti filha-da-puta, despolitizada, inerte... E pensando que enquanto estivermos gritando, torcendo pelo Brasil  em qualquer partida de jogo da copa em 2014, aquela menina da boneca de terra também estará talvez junto à moça da cadeira que, por ver o Brasil ganhando ou perdendo, estará, quem sabe, menos desolada que nessa semana que passou.
Esquecidos todos nós do lema Copa sim, despejo não!

3 comentários:

  1. Pois, se brincar, nem o "Copa sim" eu apóio!
    Absurdo!

    Mais uma vez, uma situação absurda banalizada pelo cotidiano... E, ao mesmo tempo, dignamente retratada por sua prestatividade ética em respeitar as condições sociais de outrem...

    Por essas e outras que eu te amo como pessoa e indivíduo!

    WPC>

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  2. NINALCIRA, toda vez que leio um depoimento seu aqui fico emocionado, desta vez então! fico chocado quando algo tão óbvio vem a tona!, e caramba ninguém como você para fazê-lo tão bem!
    beijos

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  3. Nina, você tem um olhar poético que se transmuda em crítica sensível, por fim, poesia. Lendo este texto lembrei das marcas deixadas pelas cidades de Ouro Preto e Mariana. Pequenas flores, ladeiras gigantes. Pessoas solicitas. Talvez, por isso, eu não consiga tão cedo me separar desta cidade-objeto (de trabalho, de lazer).

    Já BH tenho a mesma impressão que você. Lembro quando estive lá a última vez, senti um clima metropolitano em suas paisagens e grandes avenidas, interiorano em suas ruas e esquinas. Ah! Clube da Esquina, soam os acordes!

    Desde a última viagem vi o início dessas obras. São imensas! Um despejo humano, para a construção da paisagem que será eternizada, principalmente se o Brasil ganhar a Copa. Como diria meu amigo De Certeau: Uma curetagem social.

    Bjo grande de saudades!

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