quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

1.Forma e conteúdo; 2.O preconceito lingüístico não existe; 3.Essa nossa língua portuguesa...; 4.Oba-oba ou uma (nova) ciência?


Antes, o óbvio: a postagem poderia ter como título qualquer um dos sugeridos ou todos eles juntos ou ainda muitos outros. Porém, o que fosse havia de sugerir a idéia de relação (íntima) entre a língua que falamos e a comunicação e o comportamento de cada um de nós para com ela e para com o outro (ou os outros) com o qual (quais) nos comunicamos.

Agora, o óbvio ululante: eu adoro a palavra língua. Assim como adoro a língua mesmo, essa parte do corpo, dentro da boca. E adoro a língua(gem) no que se refere à comunicação seja ela artística ou imediata. Adoro os usos que se faz ou se pode fazer da língua (em TODOS os sentidos! Ui!). Por esse motivo, resolvi fazer, na universidade, o curso de Letras. (E outras coisitas mais também, mas não vem ao caso, agora...).

No curso de Letras, entre tantas outras coisas, notamos assuntos que se concentram em grandes áreas, por assim dizer, como Língua, Lingüística e Literatura.
A Lingüística se quer ciência. E brigou/briga muito para alcançar o status de ciência. Desde os anos 60, desde a redescoberta de Saussure e por aí vai... E a lingüística tem seus sub-ramos: sociolingüística, neurolinguística, etc.
Vou estar atada às idéias da sociolingüística, mas não tão atada assim, pois vou versar mesmo é sobre o amor pela língua. Por esse motivo, misturarei as coisas e com vontade de misturá-las. Pois não estou para dar aula ou discorrer acerca de conceitos e blábláblás.

Antes mesmo do antes óbvio e do óbvio ululante quero dizer que concordo com a idéia de que “só existe língua se houver seres humanos que a falem” e de que “o homem é um animal político” e de fazermos um silogismo com as duas afirmações e alcançarmos que, portanto, “tratar a língua é tratar de um tema político”. As afirmações e o silogismo abrem o livro de Marcos Bagno chamado Preconceito Lingüístico.

Outro dia, um amigo, graduando em História, me perguntou o que fazer em sala de aula quando alunos emitirem frases como “Nós foi brincar e aí cheguemos atrasados porque a gente fomos para longe”. Ele me fez a pergunta (não tão exagerada como eu a reproduzi aqui) porque aconteceu de ele chamar a atenção quanto a uma construção frasal “embaraçada” de uma garota muito esperta e inteligente que lhe respondeu: “Mas, é assim que se fala onde eu moro, de onde eu vim!”.
A dúvida era: como respeitar a origem do aluno e ensinar-lhe a norma culta da língua?
Tem gente que acha que as questões postas pela sociolingüística são oba-oba, pois que o aluno deve falar/escrever sempre “errado” porque se apagou a noção de “erro e de acerto”, aboliu-se a caneta vermelha e se deve respeitar a origem do aluno e tudo o que ele traz para a sala de aula.

Respeitar é óbvio que se deve respeitar. Mas, respeitar um modo de falar entre tantos outros modos existentes não significa nunca dizer, mostrar e ensinar para o aluno um desses modos que é a norma culta. Ensinar-lhe mostrando a importância de sua aquisição para prestar concursos (como o vestibular por exemplo, ainda que esse mesmo concurso seja algo a se discutir quanto ao seu modo de existir, etc.), para comunicar-se com outros tantos grupos diferentes do seu, de origem.
Todo aluno deve adquirir a norma culta da língua na escola e sair da escola sabendo usar a sua língua materna de maneira competente.
E isso não quer dizer que antes ele era incompetente porque usar a língua materna de maneira competente é saber que existem variantes dela tanto na escrita quanto na falada e saber usar todas essas variantes.
São exemplos bobos, mas servem: não se escreve uma carta da mesma maneira que se escreve um e-mail ou não se escreve um bilhete da mesma forma que se envia uma mensagem e celular. Não se escreve uma carta à namorada do mesmo jeito que se escreve uma carta pedindo um emprego, etc.
O aluno precisa sair da escola sabendo ler e escrever os e sobre os variados textos existentes. Para tanto, a aquisição da norma culta é de fundamental importância.
Ensinar a língua perpassando essas coisas é apresentar um modo crítico de se ler e escrever. De se colocar no mundo.
E aqui se pode falar que forma (como se escreve e lê) e conteúdo (o que se escreve e lê), por mais antigo, batido, óbvio e fora de moda que possa estar relação, não estão separados.

E quando Marcos Bagno diz que o preconceito lingüístico não existe, que o que existe é o preconceito econômico, de classe, etc., o que ele quer dizer (e até mesmo denunciar), entre tantas coisas, é que existe, na escola, uma discrepância entre o ensino para crianças ricas e o ensino para crianças pobres. A criança de classe alta adquire competência lingüística e a reproduz em seu meio e assim um modo de falar, o modo da classe dominante se torna prestigiado. A criança de classe baixa enfrenta muitos outros problemas, nem sempre freqüentam a escola para adquirir conhecimento, mas para fazer suas refeições, etc. E o seu modo de falar é desprestigiado e conseqüentemente considerado errado. Essa visão é uma visão de classe.

Mas, essa análise não deve parar por aí. É uma constatação. Uma vez verificado tal fato, deve-se fazer o quê? A resposta é que faz todo o diferencial.

É fato que uma educação decente implica em oferecer aos alunos opções. Explicar-lhes as questões da língua de maneira não-mecânica, mas sim criativa, humana, divertida, digna é dever dos professores. Assim como é direito de todos os alunos adquirirem a norma culta da língua portuguesa. Não é direito só de uma classe.

Toda essa temática é um mundo. Pois ainda existem, durante o ensino, problemáticas como a dislexia, a discalculia, DDA, etc. E existem os mitos todos sobre a língua, as dificuldades sistemáticas, a precariedade de material nas escolas, as ideologias mercadológicas nas escolas da esfera particular, etc. etc. Existem a preguiça, a falta de amor e de tesão pela língua. O mito (ou a cristalização de uma idéia) de que ler é chato, de que não se lê no Brasil o suficiente...Enfim: zilhões de coisas!

Isso de amor e de tesão é muito importante para mim. Ainda acredito no ditado popular que diz que “quem ama, cuida”. É preciso ensinar/aprender a língua em todas as instâncias, seus usos e abusos... soltar-se, entregar-se a ela, usá-la inventiva, criativa, dinamicamente!

Conhecer a norma culta pode ser sim divertido, erótico, intenso, prazeroso, feliz. Depende da maneira como as coisas acontecem. O que não pode é cristalizar a língua. Mas, não cristalizá-la não significa obra-obra, confusão e, muito menos, fechar os olhos para as questões políticas, econômicas, de classe. É preciso avançar. Dar saltos, desmistificar muita coisa.

É preciso saber que a língua é camaleônica no tempo e no espaço e que está equivocado aquele que concebe que, por se fazer parte de uma comunidade tal, tem-se que só falar de um determinado jeito, sem domínio das variantes, inclusive da variante “norma culta”.

Por isso que de Patativa do Assaré à Guimarães Rosa, de Carolina Maria de Jesus à Clarice Lispector, é preciso ler, é preciso amar essa nossa língua portuguesa.

2 comentários:

  1. Quando eu cursava letras, discutir Linguística sempre foi um grande aborrecimento, pois, todos aqueles graduandos, futuros professores, sempre levavam a questão para esse oba-oba!Enfim, desisti do curso,mas não de trabalhar com linguagem, pois, assim como você Nina, eu sou amante da língua!

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  2. Que feliz! E continua fazendo da linguagem sua arte! isso é massa!

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