terça-feira, 19 de outubro de 2010

Exercício de uma amadora angustiada

Estavam a todo instante acontecendo. Ela sem domínio, sem controle, sem saber lidar. Nova e, sobretudo, precisava viver. Seria nova para o resto de seus dias. Reverberar-se-ia até que um dia minguasse como chama fraca de vela. Final de um conto breve cheio de indizíveis coisas. Esganiçadas, na verdade, no grito fino de sua mudez sem tamanho. Para sempre no que nem pretendeu dizer, para sempre cheia de coisas para sempre não ditas. No que ninguém sabe. No que ninguém provavelmente nunca saberá. Como em um conto que lera de uma velha morta e desconhecida entre os lençóis. Saberiam dela, talvez, trancada em seu velho sarcófago, embalsamada.

A velha no conto gargalhou antes de meter no rabo o cabo de vassoura, a sublimação do sofrimento com o sofrimento. O cabo de vassoura sujo de merda embaixo da cama por um instante fora a sua mais sublime poesia. A poesia da velha morta. Uma poesia a qual ela pretensiosamente denominou de coisa-escondida-embaixo-da-cama. Estava pretensiosa demais. Não cabia mais em si. Mas quando a pretensão não insurge da arrogância é puro sofrimento. Porque a pretensão é um singelo sinal de liberdade e liberdade é puro sofrimento. Quando se tem a louca liberdade sob a pele, deter-se é praticar o massacre de si. Um grande suicídio em massa de um só corpo, entupido de espíritos. Com toda imensidão caberia ela tranquilamente numa caixa de fósforos. É com tal consciência que permitia a si mesma a candura de sua louca liberdade de escrever.

Escrever era fantasia jeitosa a cobrir-lhe o corpo horrendo ensangüentado, cheio de talhos. Era assim o “fingir-se de doída”, poetiza-aprendiz que era? Triste por vezes ficava porque a estranheza desconhecida sob as rochas não seria nunca escrita bela. Não seria nunca escrita para quem quisesse A Escrita. Porque nada revelaria. Ao contrário do lavrador que rasga o chão com o gadanho, rasgava-se com a palavra sem propósito algum. Estava era à mercê de sua arbitrária linguagem-guia. A lavoura não brota da terra, mas do que significa a terra para o lavrador. De seu corpo o que brotaria? O não-dito-de-si ou o-que-nem-ela-sabia?

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