domingo, 5 de setembro de 2010

Ponte estranha




Não saber pensar claramente é não saber expressar-se claramente. Sabem dessa minha desarmonia mental, não sabem?

“Eu tenho à medida que designo – e este é o esplendor de se ter uma linguagem. Mas eu tenho muito mais à medida que não consigo designar. A realidade é a matéria prima, a linguagem é o modo como vou buscá-la – e como não acho. Mas é do buscar e não achar que nasce o que eu não conhecia, e que instantaneamente reconheço. A linguagem é o meu esforço humano. Por destino tenho que ir buscar e por destino volto com as mãos vazias. Mas – volto com o indizível.”
(Clarice Lispector, A Paixão Segundo G.H.).

Princípio: Pensamento: Parto disso: Tudo parte de mim, transborda e corre no mundo. E saio eu correndo, segurando esse tudo como coisa que escapa entre os dedos, entre os dentes. Isso que digo basta. Mas o que fica?. Eis o “fracasso de minha linguagem”. O indizível aparece. Culpa da minha burrice? Do Oco cheio de coisas que se movem como em quadro de pintura abstrata, que eu olho e leio e rio. Mas eu rio sem ironia. Esse tudo que nada diz me diz demais, sabem? E meu problema é: eu não sei dizer. Capto uma aeronave na pintura, um menino segurando pipa, uma banheira de cabeça para baixo entornando mel.

Clarice me diz coisas: “E é inútil procurar encurtar caminho e querer começar já sabendo que a voz diz pouco, já começando por ser despessoal” Não é fácil ler isso assim, como quem não quer nada, desejando sabe Deus o que. Ela me diz coisas: “A via-crúcis não é um descaminho, é a passagem única, não se chega senão através dela e com ela.” Minha via-crúcis “aqui, aqui, aqui” desde Virgínia à Clarice. De um tudo, entrecortando um vasto nada, desembocando em novo tudo perpetuamente indizível. A via-crúcis perpétua, Clarice? Nina? Jadson? Meus amigos aos quais nada digo claramente, ao menos. “A insistência é o nosso esforço, a desistência é o prêmio”. Minha crucificação? É esse o prêmio, a crucificação? A revelação da desistência de que fala? E se alguém em um passeio, por exemplo, captar a mim também, como penso que te captei? Inundará o mundo com folhas de papel, espaços virtuais e não saberá dizer o que nunca saberei dizer: a resposta? Estou falando de linguagem? Do que eu estou falando? É assim, você diz. Eu entendo: você diz isso. É assim? Sempre pensei e creio que continuarei pensando que você fala do mundo.

O tudo que se materializa numa única palavra, a que não é dita. Eu gosto disso, sabe Nina? Vem o amor, depois a palavra, depois o indizível. O indizível nessa trajetória. Meu Deus, o indizível é a trajetória! Não. Clarice diz “a trajetória somos nós mesmos.” Uso aqui a lógica? Então, o indizível sou Eu. Forço aqui o erudito? Aqui, nesse ponto, eu fico triste. A tristeza é porque não sou erudito. Eu sou o indizível e a trajetória. A essência humana? É a essência humana? O indizível, a trajetória. Agora sem esse elemento de conexão: e. Um palavra sobreposta à outra. Uma palavra. Eu. Humano. Jadson, pessoa que eu amo, isso sai do eu para o universal? A filosofia faz isso? O “motor” está dentro? E disso eu me reinvento? Ou me redescubro? É ruptura ou conexão? Nada é claro para mim. Resisto porque penso que algo vai se revelar. Espero na espreita temendo a cruz e as estacas. Tive agora uma sensação estranha, uma sensação nova de oxigênio, combustível do fogo. O fogo se alastra engolindo o ar e as coisas, tudo depois se traduz em negro e destruição. Vejo que sou diferente do fogo, me alastro, me retraio, me alastro, mas ao contrário, me destruo, a cor é indefinível. Terei que aceitar e isso dói. Poderia ter passado a vida sem ler o indizível, podendo dizê-lo então em paz, apontando para uma ponte e dizendo: eis uma travessia! Mas eu sou onde tudo se encontra. E aqui, nesse ponto, eu estou feliz. Mas essa revelação é outra que não a desistência de que fala Clarice. Essa é a revelação posterior à minha crucificação. É o meu paraíso. Agora, creio que o universal retornou e me sinto tão pleno. Retorno parece-me, de uma viagem interplanetária. Não (respeito o pensamento anterior, mas somente respeito). O centro do meu corpo, entre minhas víceras, a semente do universo.


Um comentário:

  1. Tiaguinho, dizem, popularmente, que amor com amor se paga, então, parodio o dizer e acho que escrevinhança com escrevinhança se paga. Então, lá vai:
    "Que ninguém se engane, só se consegue a simplicidade através de muito trabalho", disse a mesma Clarice. E, Guimarães Rosa (outro gigante da linguagem e disso que temos chamado de ir existindo, de estar sendo):"Mas, onde é bobice a qualquer resposta, é aí­ que a pergunta se pergunta".
    E, para não deixar Guimarães, já que Clarice permeou tanto o seu texto: "Viver é muito perigoso... Porque aprender a viver é que é o viver mesmo... Travessia perigosa, mas é a da vida. Sertão que se alteia e abaixa... O mais difí­cil não é um ser bom e proceder honesto, dificultoso mesmo, é um saber definido o que quer, e ter o poder de ir até o rabo da palavra".
    Em se falando de ponte, não poderia esquecer da travessia roseana...não poderia deixar de me pendurar no rabo das palavras desses dois e te falar (porque assim também me digo as coisas): simplicidade só com trabalho mesmo. E muito. E saber definido o que se quer é dificultoso. Ir até o rabo da palavra: dói, enlouquece, atordoa e a gente se embaralha, muitas vezes, a vida inteira. Mas, só porque a gente esquece a bobice.
    Por isso que tenho amado cada vez mais ler os mineiros. Que de "ensinamento" como o da Adélia até "eta vida besta, meu Deus" de Drumond, vão me dando a medida de que é preciso simplicidade. E como é trabalhoso obtê-la! Como é!

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