quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Muito íntimo para publicar?

Por muito tempo eu escrevi diários íntimos. Quase todos eu destruí. Os de minha adolescência e, mais antigos ainda, os da pré-adolescência. Por vezes eu me cobrava: "Oh, porque é que eu fiz isso?" e reclamava: "Seria massa saber de mim naquela época, como eu pensava/sentia as coisas". Mas, acabava me confortanto com a idéia que muita gente faz de mim e que acabei fazendo também: a de que tenho uma memória de elefante. Lembro-me, realmente, de muitos detalhes, de muitas coisas/acontecimentos. E sou mesmo capaz de lembrar a roupa que não-sei-quem estava usando na ocasião em que segurando um copo verde de água falou "não-sei-o-que, não-sei-o-que, sei-que-lá".
Isso acontece em muitas e muitas oportunidades. Recordo acontecimentos, sensações, épocas, etc.
Tanto que lembro da sensação ruim, de abandono, que sofri algumas vezes quando minha mãe me deixava na escola quando eu era bastante pequena. Era uma dor meio de mágoa, pois eu imaginava que ela estava me deixando para sempre.
Essa não é uma memória por tabela - daquelas que a gente não lembra, mas de tanto nos falarem, fica em nossa cabeça como um acontecimento. Não, nem ela mesma sabia disso que eu sentida. Eu só falava da alegria que era quando ela ia me buscar. Da tristeza, eu não comentava. Guardava num canto qualquer para  esquecê-la. Mas, isso não aconteceu. Até hoje sinto o coração apertado quando vejo guris sendo deixados em portas de escolas. Imagino se algum deles está naquela hora achando que nunca mais verá a pessoa que mais ama no mundo.
Ok. Também essa recordação pode ser um indício de que eu seria uma pessoa dramática. Mas, aí pode já ser uma superinterpretação. Prefiro continuar acreditando na tal memória afetiva.

Voltemos ao motivo que me levou a falar em diários íntimos. Ontem, pela madrugada, mexendo em papéis, encontrei um diário meu. Mais recente, de 2007.
Li algumas partes. Mas, antes pensei: olha só, estou prestes a viver um encontro comigo mesma.
Tamanho o susto: não era eu. As situações as mesmas, em sua grande parte, mas a minha percepção, o meu jeito de ver, de sentir...tudo mudado.
E as surpresas eram algumas. Pessoas das quais eu não me separava, hoje estão tão distantes que nem ocorre de eu pensar muito. Inda bem que não houve ruptura alguma de maneira ruim, porque fulana me tratou mal ou eu tratei fulana mal ou coisas que o valham. Afastamento por conta das mudanças mesmo. Essa que tanto me assustou.
Coisas que eu, a pessoa que tem memória de elefante, não me lembrava.
E a percepção de que o ano de 2007 foi um dos mais difíceis de minha vida. A morte de minha mãe foi em 2006. Mas, as complicações se deram em 2007. Talvez meu organismo tenha reagido com tamanha força com o passar do tempo. Quando, para todos, o tempo (que costumam falar que é remédio) havia solucionado as coisas, para mim, a idéia-sensação era de que tudo só havia piorado.
Sobrevivi a 2007. Foi essa a graça da noite de ontem. A certeza de que aquele ano está longe de mim uma distância de 3 anos e de incontáveis mudanças.
Não sei se é caso de dizer que as coisas melhoraram ou pioraram (ainda que eu mesma tenha usado palavras assim nesse texto, algumas linhas antes). Mudaram.
Percebi que tal processo de mudança teve o dedo meu, da vida e de todas as pessoas por perto de mim.
Bom, enfim, percebi que mesmo com o diário em mãos, ainda assim, aquele ano será digerido por alguns muitos anos a fio...não será ainda para já, em alguns aspectos.
Uma dúvida me restou e eu falei, sozinha, para mim: "Não seria melhor tê-lo destruído?".
Tenho pensado que sim. Não porque as coisas passaram, não porque eu não sou mais a mesma, não porque foi um ano ruim para caralho. Pelo fato de que realmente, pensando-se no que venha a ser a memória para a construção de identidades, muitas vezes o esquecimento é por demais necessário para prossigamos com a vida normal.
Aqui, penso numa memória política. Os presos e torturados em regimes ditatoriais, etc.
Algumas marcas devem nunca serem esquecidas para não haver mais repetição. Outras, devem ser esquecidas para que se continue a viver. Pois, a memória também é passado. E revisitar algumas coisas é o mesmo que concordar com o presente como um passado que não quer passar...

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