sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Notícias do mundo de cá: o nascimento de uma criança - reflexões para o mundo dos mortos ou do silenciamento

Fumei um cigarro preto hoje. Negro era o meu semblante. Negra a interrogação quanto ao meu futuro. O que desejo de verdade?
Inconformada eu? Nem sei do que não me (in)conformo ou o que mesmo desejo. Porque do impossível eu já sei que não se fala.
O cigarro negro da solidão que venho fumando desde mesmo quando você era viva e estava comigo estranhamente não amarga na boca. Amarga por dentro quando sabemos da possibilidade do câncer. Do câncer que ferra a vida, a alma e a fala da gente.
Fumávamos as duas desse cigarro, mamãe. Você na sua geração e eu na minha. Você e eu fumávamos desse cigarro mesmo quando não fumávamos nada e quando não havia fumaça.
Lembrávamos de um tempo que não chegamos a viver. Também eu não vou chegar lá.
Ontem soube do nascimento de mais uma criança em nossa família. Eles também não me procuram. Como antes, estamos sós. Estou só.
Há uma outra família. A qual não pertenço, mas que diz ter-me abraçado por conta de um dos membros. Há uma linha de não-entrega tão demarcada que muitas vezes eu rio, sabia?
Lá eu como, durmo, tomo banho. Mas, não sou. Lá eles são eles e eu a parte. Mas, as pessoas, mamãe, continuam a fingir. Também eu o faço. Mas, não muito bem, pois sempre em crise. Vivo sempre em crise.
Sabia que nunca mais um abraço de verdade? Nunca mais ninguém tirou cravos de minhas costas. Eles saem no banho, com os óleos com os quais tomo banho. É. Tenho tentado parecer um pouco com você. Assim, os óleos durante os banhos e os hidratantes depois.
Outro dia achei um dos que você usava. O cheiro me emocionou. Mas, não havia muito sentido em dividir isso com outra pessoa.
Este é um escrito desorganizado. Como sou desorganizada.
Como é possível, mamãe, alguém como eu, hein?
Nasci mesmo assim? Fui-me transformando? O processo sempre foi silencioso? Será sempre?
Enfim, são tantas coisas. Algumas dizíveis sim, mas não por ora. Por ora, só a negra fumaça do cigarro da solidão.

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